Luciano Huck fez no “Caldeirão do Huck”, na Rede
Globo, o que o autor João Emanuel Carneiro poderia ter feito no fim de “Avenida
Brasil” para transmitir algum tipo de mensagem de otimismo àqueles que saíram do
lixão, que inspirou sua novela: o apresentador mostrou imagens do fechamento de
Gramacho, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, que aconteceu em julho
deste ano, e trouxe de lá o eleito para o “Lata Velha” desse sábado (20). A
história de Márcio Marciano, de 23 anos, um ex-catador de lixo do Aterro Sanitário
considerado o maior da América Latina, não foi apenas comovente como também serviu
de exemplo e levou a uma reflexão bem mais profunda e mais palpável.
Márcio não mandou carta nem e-mail para o programa.
Ele foi descoberto pela equipe do jornalista Caco Barcellos durante uma
reportagem feita pelo “Profissão Repórter”, após a desativação do lixão de
Gramacho. Com o dinheiro de indenização que os catadores ganharam, Márcio
alugou uma casinha, comprou alguns móveis e um carro velho, um Santana 86, porque não
queria mais que a mulher fosse levada para a maternidade num caminhão de lixo
quando engravidasse novamente, como tinha acontecido quando nasceu o primeiro
filho do casal.
Huck mais uma vez ganhou ao dar uma chance a um
jovem envolvido com drogas e até polícia que, após se apaixonar por uma moça,
resolveu mudar de vida, mas descobriu que não sabia fazer nada, por isso foi
parar no lixão. Foram períodos difíceis, mas Márcio não pega carona no drama da
ficção para se vitimar diante das câmeras. Pelo contrário, ele mostrou um outro
lado, o da função social que faltou ser exercida na novela. “O catador está ali
limpando. Quase ninguém faz isso pelo meio ambiente”, afirmou o hoje auxiliar
de pedreiro, lembrando que os catadores separam o que pode ser reciclado do que
não pode ser reutilizado.
Essa consciência em nenhum momento foi mostrada em “Avenida
Brasil”. Pelo contrário, lá as garrafas pet serviam como decoração na casa da
Mãe Lucinda (Vera Holtz). No “Caldeirão”, ao visitar o Instituto Coca-Cola,
Márcio ganhou uma camiseta feita de pets recicladas. O mais contagiante foi a
emoção do ex-catador ao longo das surpresas do “Lata Velha” que o levaram a
reencontrar antigos companheiros de lixão. E apesar de tudo que passou na vida,
mantinha sempre um sorriso, uma alegria e uma fé em Deus contagiantes.
No fim, após executar com perfeição o desafio de se apresentar no palco cantando e dançando “A História de Uma Gata”, do musical “Os Saltimbancos”, mesmo sem nunca ter ido ao cinema ou ao teatro, mas devidamente ensaiado pela produção do programa, Márcio levou a réplica de seu Santana 86 devidamente reformado. E o “catador de material reciclável”, como faz questão de ser chamado, ainda ganhou um emprego no Instituto Coca-Cola. Ponto para sua inteligência e pureza. Ponto para Luciano Huck, que, sem apelar para o sensacionalismo, sabe usar muito bem de sua influência para, através de suas parcerias, melhorar a vida de quem realmente precisa e não usa o poder do veículo no qual trabalha apenas para satisfazer uma vaidade pessoal.