domingo, 28 de outubro de 2012

“Gabriela”: Na ânsia de inovar, remake perde a poesia e o tom político da obra de Jorge Amado e mostra desfecho sem mensagem de impacto e cenas de nudez apelativas desnecessárias no último capítulo


José Wilker conseguiu o que poucos atores já tiveram oportunidade de concretizar: ser a peça-chave de uma novela tanto em sua primeira versão quanto em seu remake. Aconteceu agora em “Gabriela”, que chegou ao fim nessa sexta-feira (26), na Rede Globo. No original de 1975, Wilker já tinha protagonizado as cenas finais do último capítulo da adaptação de Jorge Amado feita por Walter George Dust, no qual a última cena congelou justamente com seu personagem na época, Mundinho, sendo reverenciado em praça pública pelo povo, dando mostras de que o coronelismo não tinha terminado. Como, é sabido, não terminou até hoje. Já na versão atual de Walcyr Carrasco, Wilker, no papel do coronel Jesuíno, dominou o penúltimo capítulo, que superou até mesmo o subsequente, no julgamento pelos assassinatos de sua mulher, Sinhazinha (Maitê Proença), e do amante dela, Osmundo (Erik Marmo).

Walcyr Carrasco inovou no final. Mas acabou fazendo um desfecho previsível em qualquer outro folhetim que não fosse baseado numa obra tão politicamente engajada e marcante quanto é a do escritor baiano. Um final feliz para Mundinho, agora vivido por Mateus Solano, numa cena trivial de casamento com Gerusa (Luiza Valderato), perdeu totalmente o impacto causado no fim da outra novela. Até mesmo a morte do coronel Ramiro (Antonio Fagundes) num banco de praça, perdeu a poesia e o lúdico mostrado quando o mandatário da cidade, vivido antes por Paulo Gracindo, amanhecia morto em sua cama com o tule do mosqueteiro sendo suavemente embalado pelo vento que entrava pela janela.

Faltou um pouco mais de literatura e sobrou muito de folhetim à adaptação de Walcyr. É inegável, porém, o belíssimo trabalho de direção, fotografia, produção e cenografia. E a maior estrela que brilhou do início ao fim deste remake foi, sem dúvida, Laura Cardoso, interpretando Dorotéia, a matriarca e falsa beata que defendia com pulso de ferro as morais e os bons costumes e, soube-se depois, não passava de uma ex-quenga. A atriz colocou todo o elenco no bolso com uma personagem inédita, que não havia na novela há 37 anos.

Leona Cavalli também surpreendeu com sua Zarolha, interpretada antes pela saudosa Dina Sfat. A personagem, uma das “meninas do Bataclan” que ia embora de Ilhéus para não mais voltar, dessa vez teve direito a um regresso para lutar pelo amor do turco Nacib (Humberto Martins). Essa decisão do autor pode ter sido tanto graças à empatia despertada pela atriz quanto pelo fato de Ivete Sangalo não ter ocupado o posto de Maria Machadão à altura da interpretação original de Heloísa Mafalda. Impossível olhar a cantora baiana na tela, apesar de toda caracterização, e não associar a imagem a... Ivete.

Juliana Paes, justiça seja feita, foi corajosa ao aceitar o desafio de viver a protagonista do remake de “Gabriela”. E até se esforçou. Mas não conseguiu tirar de Sonia Braga o título de eterna “Cravo e Canela”. A sequência em que Gabriela subiu no telhado para pegar uma pipa e que entrou para a história da televisão na interpretação de Sonia, dessa vez conseguiu no máximo virar piada na internet através de um deboche sobre o péssimo serviço de uma operadora de serviço celular. Ganhou uma homenagem especial que desvirtuou totalmente o desfecho antológico inicial. E as cenas de nudez no último capítulo foram totalmente desnecessárias, apelando mais uma vez para um erotismo que maculou a brejeirice sensual da personagem da literatura.

De qualquer forma, a novela dirigida por Mauro Mendonça Filho reservou para a última semana uma grata surpresa ao promover um verdadeiro encontro de titãs: Tarcísio Meira, Antonio Fagundes e José Wilker contracenando nos capítulos que foram ao ar a partir de terça-feira (23). Tarcísio entrou para fazer uma participação especial no papel do juiz que, primeiro, anulou o casamento de Nacib e Gabriela e, segundo, no final, quando presidiu o julgamento do coronel Jesuíno pelos assassinatos de sua mulher, Sinhazinha (Maitê Proença), e do amante dela, Osmundo (Erik Marmo). Na tentativa de inovar, o último capítulo perdeu o impacto de décadas. O penúltimo foi melhor. E, mesmo assim, após a leitura do veredicto do juiz, faltou aquele silêncio constrangedor quebrado apenas pelas palmas puxadas no tribunal por ninguém menos do que Maria Machadão, personagem interpretada brilhantemente por Heloísa Mafalda. Aliás, achei digno a personagem não aparecer nessa cena após ter sido entregue a Ivete, uma cantora que tem todo direito de enveredar pela dramaturgia, mas começando como todos os iniciantes o fazem e não como sucessora de uma atriz do naipe de Heloísa Mafalda.


A título de curiosidade: O juiz interpretado agora por Tarcísio Meira foi vivido anteriormente pelo ator e dublador Isaac Bardavid. Considerado um dos maiores dubladores do país, é dele a voz de personagens famosos como o Esqueleto, dos desenhos de He-Man, Freddy Krueger de “A Hora do Pesadelo” e Wolverine, do filme de mesmo nome, entre outros. Atualmente Bardavid está no elenco da nova novela das nove, “Salve Jorge”, em que aparece como Tartan, dono de um restaurante na Capadócia e de uma loja no Gran Bazar.  



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