Novelas de época são um prato cheio para bons
profissionais deixarem fluir toda sua vertente criativa e surpreender e prender
o público com belas imagens, cenários, figurinos e toda linguagem estética que
envolve esse tipo de trabalho. Em “Lado a Lado”, novela das seis da Rede Globo,
que estreou na segunda-feira (10), excelentes profissionais se fazem presente e
vêm mostrando um esmero que surpreende a cada capítulo. Os autores João Ximenes Braga e Cláudia Lage
também fazem a diferença, com a forma como fazem abordagens de contextos políticos do início do
século XX, mas que continuam tendo versões bem atuais.
Há uma semana no ar, fica latente o diferencial que o
texto dessa novela tem dos demais folhetins que já trataram de temas históricos,
focando na escravidão, como “Escrava Isaura”, “Sinhá Moça”. A história começa em 1903, quinze anos após a Abolição
da Escravatura, quando os negros, embora livres, continuavam sofrendo toda
sorte de preconceito. Só que aqui eles não são mostrados como pobres coitados e
infelizes. Pelo contrário, são pessoas fortes, determinadas, que sofrem
dificuldades, mas sabem desfrutar de uma alegria que vem da dança e da música
que trazem no sangue de sua origem africana. Verdadeiros sobreviventes.
Já se viu que Lázaro Ramos, o capoeirista Zé Navalha, ou Zé Maria, será
o grande herói da vez. Até agora, ele dominou a maioria das cenas. Logo no
primeiro capítulo, mostrou a força de seu personagem. Zé leva Izabel (Camila
Pitanga), mulher por quem se apaixonou à primeira vista num cordão do carnaval
de rua, à Confeitaria Colonial, restaurante frequentado só pela alta sociedade.
Ao chegarem, o garçom sugere que procurem outro lugar. “Nós já estamos no
século XX, caso o senhor não tenha percebido. Uma garrafa de vinho tinto
português e os cardápios, por favor”, responde polidamente. E diante dos demais
frequentadores do lugar, todos ricos e brancos, Izabel lhe tasca um beijo na
boca. A cena mereceu ter sido repetida inteira na abertura do segundo capítulo.
Patrícia Pillar surgiu na estreia insinuando que sua
Constância seria apenas uma mãe autoritária e ambiciosa. Mas, aos poucos,
descobriu-se que a ex-baronesa é uma vilã sofisticadamente perversa e cruel. De
sua boca saem pérolas de sarcasmo como: “São essas más companhias, gostam de
música de negro, o tal do samba”, “Pobre só gera doença”, “Se eu não puder
ajudar, eu atrapalho. Eu destruo” e “Os meus cisnes são austríacos. Esse mau
cheiro deve ser de alguns desses convidados. Esses brasileiros”. Parece ter
feito escola com a Flora, personagem da atriz em “A Favorita”.
Outros atores que estão fazendo a diferença são
Milton Gonçalves, que, como sempre, emociona no papel do ex-escravo Afonso,
dono de uma barbearia e pai de Izabel, e Beatriz Segall, fazendo a simpática e
caridosa francesa Madame Besançon, que, apesar de rica, em nada lembra Odete
Roitman. Isabela Garcia também parece estar à vontade interpretando Celinha, a irmã solteirona
de Constância, engraçada, atrapalhada e chegada num licorzinho.
Camila Pitanga teve seu ponto alto no quarto
capítulo, em que Izabel acha que foi abandonada no altar por Zé Maria, sem
saber que o noivo foi preso ao tentar impedir a demolição do cortiço onde eles
moravam. Foi na sacristia, esperando por ele, que ela conheceu Laura, a outra
mocinha da história, vivida por Marjorie Estiano. Filha de Constância, Laura
acaba se casando por imposição da mãe com Edgar (Thiago Fragoso), com quem teve
um noivado à distância durante quatro anos, enquanto ele estudava em Portugal.
A união não deixa nenhum dos dois felizes.
Talvez por ter sido muito recente seu último
trabalho, Marjorie ainda está lembrando muito o mesmo tipo de interpretação que
deu a Manuela em “A Vida da Gente”, exibida no mesmo horário e que chegou ao
fim há apenas cinco meses. Curiosamente, na novela anterior sua personagem terminou
feliz ao lado de Rodrigo, interpretado por Rafael Cardoso, ator que agora faz
seu irmão, Albertinho. Enquanto Laura e Manu têm muitas semelhanças no perfil,
Albertinho é um playboy de época que em nada remete ao bem comportado Rodrigo.
Vamos ver como será daqui para frente, quando começar o envolvimento do mulherengo
com Izabel.
Sem dúvida, além do elenco de primeira, é preciso
destacar a produção, direção de arte e fotografia, que estão proporcionando um
belo resgate de um passado histórico. Tanto a cidade cenográfica quanto os
ambientes internos, gravados em estúdio, encantam pela riqueza de detalhes bem
pesquisados e executados. Os figurinos das mulheres ricas são de uma elegância ímpar,
valorizados por acessórios impecáveis, como chapéus e bolsas. E até mesmo no cortiço
os vestidos são de uma leveza e bom gosto que realça a sensualidade das
personagens. Principalmente a de Izabel, quando a moça aparece dançando e
rodopiando sua saia rodada.
Ajudam ainda a dar mais movimento à edição as imagens do Rio de Janeiro antigo, em fotografias e pinturas, intercaladas entre as cenas e com uma trilha sonora moderna, construída principalmente em cima de ritmos de samba, mas que também tem toques eletrônicos e atuais. Inicialmente parecendo ousada demais, a ideia de colocar na abertura “Liberdade! Liberdade! Abre As Asas Sobre Nós”, enredo que deu a vitória à Imperatriz Leopoldinense no Carnaval de 1989, no Rio, revelou-se ter dado muito certo. É como se a batida forte e festiva avisasse ao público que a novela é de época, mas que ele não terá pela frente uma história monótona, arrastada. Tomara que não atravesse o samba.