segunda-feira, 17 de setembro de 2012

“Lado a Lado”: Novela de época surpreende com modernidade na trilha sonora, estética visual e na forma de retratar o preconceito racial dentro de um período histórico

Novelas de época são um prato cheio para bons profissionais deixarem fluir toda sua vertente criativa e surpreender e prender o público com belas imagens, cenários, figurinos e toda linguagem estética que envolve esse tipo de trabalho. Em “Lado a Lado”, novela das seis da Rede Globo, que estreou na segunda-feira (10), excelentes profissionais se fazem presente e vêm mostrando um esmero que surpreende a cada capítulo.  Os autores João Ximenes Braga e Cláudia Lage também fazem a diferença, com a forma como fazem abordagens de contextos políticos do início do século XX, mas que continuam tendo versões bem atuais.

Há uma semana no ar, fica latente o diferencial que o texto dessa novela tem dos demais folhetins que já trataram de temas históricos, focando na escravidão, como “Escrava Isaura”, “Sinhá Moça”.  A história começa em 1903, quinze anos após a Abolição da Escravatura, quando os negros, embora livres, continuavam sofrendo toda sorte de preconceito. Só que aqui eles não são mostrados como pobres coitados e infelizes. Pelo contrário, são pessoas fortes, determinadas, que sofrem dificuldades, mas sabem desfrutar de uma alegria que vem da dança e da música que trazem no sangue de sua origem africana. Verdadeiros sobreviventes.

Já se viu que Lázaro Ramos, o capoeirista Zé Navalha, ou Zé Maria, será o grande herói da vez. Até agora, ele dominou a maioria das cenas. Logo no primeiro capítulo, mostrou a força de seu personagem. Zé leva Izabel (Camila Pitanga), mulher por quem se apaixonou à primeira vista num cordão do carnaval de rua, à Confeitaria Colonial, restaurante frequentado só pela alta sociedade. Ao chegarem, o garçom sugere que procurem outro lugar. “Nós já estamos no século XX, caso o senhor não tenha percebido. Uma garrafa de vinho tinto português e os cardápios, por favor”, responde polidamente. E diante dos demais frequentadores do lugar, todos ricos e brancos, Izabel lhe tasca um beijo na boca. A cena mereceu ter sido repetida inteira na abertura do segundo capítulo.

Patrícia Pillar surgiu na estreia insinuando que sua Constância seria apenas uma mãe autoritária e ambiciosa. Mas, aos poucos, descobriu-se que a ex-baronesa é uma vilã sofisticadamente perversa e cruel. De sua boca saem pérolas de sarcasmo como: “São essas más companhias, gostam de música de negro, o tal do samba”, “Pobre só gera doença”, “Se eu não puder ajudar, eu atrapalho. Eu destruo” e “Os meus cisnes são austríacos. Esse mau cheiro deve ser de alguns desses convidados. Esses brasileiros”. Parece ter feito escola com a Flora, personagem da atriz em “A Favorita”.

Outros atores que estão fazendo a diferença são Milton Gonçalves, que, como sempre, emociona no papel do ex-escravo Afonso, dono de uma barbearia e pai de Izabel, e Beatriz Segall, fazendo a simpática e caridosa francesa Madame Besançon, que, apesar de rica, em nada lembra Odete Roitman. Isabela Garcia também parece estar à vontade interpretando Celinha, a irmã solteirona de Constância, engraçada, atrapalhada e chegada num licorzinho.

Camila Pitanga teve seu ponto alto no quarto capítulo, em que Izabel acha que foi abandonada no altar por Zé Maria, sem saber que o noivo foi preso ao tentar impedir a demolição do cortiço onde eles moravam. Foi na sacristia, esperando por ele, que ela conheceu Laura, a outra mocinha da história, vivida por Marjorie Estiano. Filha de Constância, Laura acaba se casando por imposição da mãe com Edgar (Thiago Fragoso), com quem teve um noivado à distância durante quatro anos, enquanto ele estudava em Portugal. A união não deixa nenhum dos dois felizes.

Talvez por ter sido muito recente seu último trabalho, Marjorie ainda está lembrando muito o mesmo tipo de interpretação que deu a Manuela em “A Vida da Gente”, exibida no mesmo horário e que chegou ao fim há apenas cinco meses. Curiosamente, na novela anterior sua personagem terminou feliz ao lado de Rodrigo, interpretado por Rafael Cardoso, ator que agora faz seu irmão, Albertinho. Enquanto Laura e Manu têm muitas semelhanças no perfil, Albertinho é um playboy de época que em nada remete ao bem comportado Rodrigo. Vamos ver como será daqui para frente, quando começar o envolvimento do mulherengo com Izabel.

Sem dúvida, além do elenco de primeira, é preciso destacar a produção, direção de arte e fotografia, que estão proporcionando um belo resgate de um passado histórico. Tanto a cidade cenográfica quanto os ambientes internos, gravados em estúdio, encantam pela riqueza de detalhes bem pesquisados e executados. Os figurinos das mulheres ricas são de uma elegância ímpar, valorizados por acessórios impecáveis, como chapéus e bolsas. E até mesmo no cortiço os vestidos são de uma leveza e bom gosto que realça a sensualidade das personagens. Principalmente a de Izabel, quando a moça aparece dançando e rodopiando sua saia rodada.

Ajudam ainda a dar mais movimento à edição as imagens do Rio de Janeiro antigo, em fotografias e pinturas, intercaladas entre as cenas e com uma trilha sonora moderna, construída principalmente em cima de ritmos de samba, mas que também tem toques eletrônicos e atuais. Inicialmente parecendo ousada demais, a ideia de colocar na abertura “Liberdade! Liberdade! Abre As Asas Sobre Nós”, enredo que deu a vitória à Imperatriz Leopoldinense no Carnaval de 1989, no Rio, revelou-se ter dado muito certo. É como se a batida forte e festiva avisasse ao público que a novela é de época, mas que ele não terá pela frente uma história monótona, arrastada. Tomara que não atravesse o samba.