terça-feira, 21 de maio de 2013

“Amor à Vida”: Estreia tem texto ágil e ousado e direção e iluminação valorizados pela escolha de ter suas primeiras cenas gravadas no santuário que é Machu Picchu

Walcyr Carrasco não poderia ter feito escolha melhor ao abrir “Amor à Vida”, novela das nove de sua autoria que estreou nessa segunda-feira (20) na Rede Globo, em uma série de sequências gravadas em Macchu Picchu, o sítio arqueológico que pertenceu à civilização Inca, no Peru. A beleza, a magia e a luz do lugar enriqueceram a história, que mostrou um texto rico e ágil e uma direção detalhista coroada por uma estética sombria e ao mesmo tempo vibrante. Sem dúvida Wolf Maya, diretor de núcleo, e Mauro Mendonça Filho, diretor-geral, capricharam nesse primeiro capítulo. E, melhor ainda, tudo indica que não haverá um “núcleo peruano”. Ponto para a nova novela que sepultou de vez qualquer período de luto em relação a sua antecessora.

No elenco, Juliano Cazarré deu um salto ao voltar ao ar num curto espaço de tempo interpretando Ninho, um mochileiro riponga tão pobre quanto era o Adauto de “Avenida Brasil”, mas com uma densidade mais profunda e bem trabalhada dentro de toda a filosofia desapegada com que o personagem encara a vida. Paolla Oliveira se deslocou bem nos dois momentos em que sua protagonista, Paloma, abre mão da vida burguesa, vai para o mundo em nome de uma paixão à primeira vista, volta para casa grávida e acaba tendo sua filha roubada pelo próprio irmão, Félix, o vilão-mór vivido por Matheus Solano.

Matheus, por sinal, brilhou na maioria das cenas, equilibrando muito bem as nuances do personagem, um obcecado pela idéia de ter nas mãos o poder e a riqueza de sua família custe o que custar e que, ao mesmo tempo, os indícios de que não é tão machão quanto tenta parecer para sua mulher, a estilista Edith (Bárbara Paz). Em sutis trejeitos e olhares, o ator deixou no ar um sinal de sua bissexualidade. Mas o melhor são as pérolas de suas frases, como “Salguei a Santa Ceia”, “Genética não tem nada a ver com cabelo pintado”, “Não acha. Ninguém perdeu nada” e “Chamando seu irmão de touro vão achar que você é uma vaca”. O autor e seus colaboradores estão caprichando nas falas de Félix.

Malvino Salvador, por sua vez, teve nas mãos cenas extremamente fortes no papel de Bruno, um homem que perde a mulher e o filho no parto. Mas corre o risco de se tornar mais um “herói” babaca. Não convenceu ele se preocupar mais em continuar na faculdade enquanto a mulher continuou trabalhando para sustentar o casal mesmo enfrentando uma gravidez de risco por ter pressão alta. Pior, ele nem questionou a decisão dos médicos de fazerem um parto normal diante dos resultados preocupantes feitos pela mulher durante toda a gestação. No mais tem Antonio Fagundes, Suzana Vieira, Ary Fontoura e tantos outros veteranos que ainda vão surgir repetindo o que sempre fizeram de melhor.

Também não há como não identificar uma semelhança absurda da sequência em que Ninho foi preso com drogas em um aeroporto na Bolívia com as cenas de “Expresso da Meia-Noite”, filme de Alan Parker de 1978 que, coincidentemente, se passava na Turquia, cenário de “Salve Jorge”, novela antecessora no horário. Para quem viu o filme percebeu que a sonoplastia usou o mesmo recurso do som de suspense usado no cinema.

Quanto à abertura, é um belo trabalho de animação gráfica, mas ficar oito meses ouvindo Daniel cantando “Maravida” é o auge do teste de resistência à breguice. Melhor teria sido colocar “Meu Novo Mundo”, do Charlies Brown Jr., que está na trilha da novela, mas, por mais contraditória que poderia ser, seria uma homenagem mais consistente ao poeta Chorão e um tema bem mais cativante para se ouvir todas as noites durante meses.