sexta-feira, 2 de novembro de 2012

“Subúrbia”: Luiz Fernando Carvalho se supera ao mostrar a vida real como ela é, com linguagem simples, mas sem perder sua marca registrada de ousar na direção e na fotografia e apostar em novos "atores"



Luiz Fernando Carvalho mais uma vez se supera ao apresentar um trabalho inovador e mantendo sua marca indelével em cada cena, como é o caso de “Subúrbia”, estreia dessa quinta-feira (1), na Globo. Se em “A Pedra do Reino”, há cinco anos, o diretor já havia arriscado ao fazer uma microssérie encenada por um elenco em sua maioria desconhecida do grande público, agora ele atinge o auge da ousadia ao trazer atores amadores e até pessoas de outras profissões atuando pela primeira vez. E o olho clínico de Luiz Fernando não falhou ao escolher a mineirinha Débora Nascimento que brilhou no papel da protagonista Conceição na sua fase infantil no primeiro episódio. Assim como Erika Januza, uma ex-funcionária administrativa de uma escola de Contagem, interior de Minas Gerais, interpretando a personagem jovem. Ambas passaram toda a pureza, inocência e encanto nos momentos em que Conceição vislumbrava uma vida melhor, e coragem para não esmorecer nos desafios, apesar da dor do sofrimento.

A câmera nervosa dançando em tomadas ágeis e excitantes coroam a fotografia, estrela que sempre se destaca nos trabalhos do diretor e cineasta. A excelência na técnica e na direção, no entanto, não ofuscam a simplicidade que há na linguagem narrativa da história. No primeiro dos oitos capítulos já se viu Conceição, criança, fugindo com a família da vida miserável que levavam no interior de Minas trabalhando em fornos de carvão. A mudança ocorre após a morte de um irmão da menina na explosão de um forno. Mas, chegando ao Rio de Janeiro, ela é confundida com trombadinhas e vai parar numa instituição para menores, de onde foge muito tempo depois e acaba indo trabalhar de doméstica na casa de uma família classe média. E o episódio termina com uma cena impactante em que Conceição é estuprada pelo patrão. As imagens ofuscadas e em câmera lenta, ao som de “O Tempo Vai Apagar”, sucesso de Roberto Carlos de 1968, tornaram a sequência não apenas chocante, mas também comovente.

O subúrbio carioca de Madureira, onde Conceição será acolhida, também já foi mostrado. E, felizmente, não traz estereótipos de outros programas da ficção que mascaram a realidade. A pobreza aqui não é reciclada e enfeitada para fazer apenas parte de um show. O elenco também conta com atores do grupo teatral Nós do Morro, com sede na favela do Vidigal, integrantes do grupo de rap Panteras Negras e músicos do AfroReggae e do Afro Samba. Mas, em meio a tantos rostos desconhecidos do grande público, foi uma grata surpresa a presença de Haroldo Costa interpretando Aloysio, pai de Vera (Dani Ornellas), a amiga de Conceição que mora no subúrbio. O último trabalho do ator, escritor, produtor e sambista em uma minissérie da Globo foi em “Chiquinha Gonzaga”, em 1999.

Idealizada por Luiz Fernando e desenvolvida por ele junto com o escritor Paulo Lins, autor do livro que resultou no filme “Cidade de Deus”, “Subúrbia” trouxe certa nostalgia por ter começado na década de 1990. O tempo é identificado pelas músicas tocadas no rádio, imagens na TV de Zélia Cardoso de Mello, quando era ministra da Fazenda, decretando o confisco da poupança dos brasileiros e até de Conceição, ainda criança, tentando aprender os passos de dança das Paquitas assistindo ao programa da Xuxa enquanto fazia faxina.

Da estreia, fica a expectativa dos próximos capítulos, quando Conceição se mudará para Madureira e deverá travar muitos embates com sua rival, Jéssica personagem interpretada por Ana Pérola. A ex-gari e passista das escolas de samba Mocidade e Império Serrano que também está sendo lançada como atriz já mostrou a que veio em suas primeiras e ousadas aparições. Esse drama, permeado de sensualidade e violência, vem mostrar que ainda existe, sim, vida inteligente na televisão.