Luiz Fernando Carvalho mais uma vez se supera ao
apresentar um trabalho inovador e mantendo sua marca indelével em cada cena,
como é o caso de “Subúrbia”, estreia dessa quinta-feira (1), na Globo. Se em “A
Pedra do Reino”, há cinco anos, o diretor já havia arriscado ao fazer uma
microssérie encenada por um elenco em sua maioria desconhecida do grande
público, agora ele atinge o auge da ousadia ao trazer atores amadores e até
pessoas de outras profissões atuando pela primeira vez. E o olho clínico de
Luiz Fernando não falhou ao escolher a mineirinha Débora Nascimento que brilhou
no papel da protagonista Conceição na sua fase infantil no primeiro episódio. Assim
como Erika Januza, uma ex-funcionária administrativa de uma escola de Contagem,
interior de Minas Gerais, interpretando a personagem jovem. Ambas passaram toda
a pureza, inocência e encanto nos momentos em que Conceição vislumbrava uma
vida melhor, e coragem para não esmorecer nos desafios, apesar da dor do
sofrimento.
A câmera nervosa dançando em tomadas ágeis e
excitantes coroam a fotografia, estrela que sempre se destaca nos trabalhos do
diretor e cineasta. A excelência na técnica e na direção, no entanto, não
ofuscam a simplicidade que há na linguagem narrativa da história. No primeiro
dos oitos capítulos já se viu Conceição, criança, fugindo com a família da vida
miserável que levavam no interior de Minas trabalhando em fornos de carvão. A
mudança ocorre após a morte de um irmão da menina na explosão de um forno.
Mas, chegando ao Rio de Janeiro, ela é confundida com trombadinhas e vai parar
numa instituição para menores, de onde foge muito tempo depois e acaba indo
trabalhar de doméstica na casa de uma família classe média. E o episódio
termina com uma cena impactante em que Conceição é estuprada pelo patrão. As
imagens ofuscadas e em câmera lenta, ao som de “O Tempo Vai Apagar”, sucesso de
Roberto Carlos de 1968, tornaram a sequência não apenas chocante, mas também comovente.
O subúrbio carioca de Madureira, onde Conceição será
acolhida, também já foi mostrado. E, felizmente, não traz estereótipos de
outros programas da ficção que mascaram a realidade. A pobreza aqui não é reciclada
e enfeitada para fazer apenas parte de um show. O elenco também conta com atores
do grupo teatral Nós do Morro, com sede na favela do Vidigal, integrantes do
grupo de rap Panteras Negras e músicos do AfroReggae e do Afro Samba. Mas, em
meio a tantos rostos desconhecidos do grande público, foi uma grata surpresa a
presença de Haroldo Costa interpretando Aloysio, pai de Vera (Dani Ornellas), a
amiga de Conceição que mora no subúrbio. O último trabalho do ator, escritor,
produtor e sambista em uma minissérie da Globo foi em “Chiquinha Gonzaga”, em
1999.
Idealizada por Luiz Fernando e desenvolvida por ele
junto com o escritor Paulo Lins, autor do livro que resultou no filme “Cidade
de Deus”, “Subúrbia” trouxe certa nostalgia por ter começado na década de 1990.
O tempo é identificado pelas músicas tocadas no rádio, imagens na TV de Zélia
Cardoso de Mello, quando era ministra da Fazenda, decretando o confisco da
poupança dos brasileiros e até de Conceição, ainda criança, tentando aprender
os passos de dança das Paquitas assistindo ao programa da Xuxa enquanto fazia
faxina.
Da estreia, fica a expectativa dos próximos capítulos,
quando Conceição se mudará para Madureira e deverá travar muitos embates com sua
rival, Jéssica personagem interpretada por Ana Pérola. A ex-gari e passista das
escolas de samba Mocidade e Império Serrano que também está sendo lançada como
atriz já mostrou a que veio em suas primeiras e ousadas aparições. Esse drama, permeado de sensualidade e violência, vem mostrar que ainda existe, sim, vida inteligente na televisão.