quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Como na literatura infantil, autores de novelas exploram todas as nuances do perfil que protagonistas órfãos de pai e mãe oferecem para enriquecer as tramas



Na literatura, principalmente infantil, a criação de personagens órfãos conduzindo a história é um recurso usado desde os tempos de Cinderela e Branca de Neve. Harry Potter é o exemplo clássico mais recente. Alguns autores apostam que a falta de um vínculo familiar abre um leque maior de oportunidades para se explorar vários aspectos psicológicos do personagem, além de deixa-lo mais livre para vivenciar experiências que talvez não pudessem ser bem desenvolvidas com a presença das figuras materna e paterna. Vendo por esse ângulo, entende-se que em “Avenida Brasil”, “Cheias de Charme” e “Amor Eterno Amor, respectivamente novelas das nove, das sete e das seis da Globo, haja protagonistas órfãos de pai e mãe.

Independentemente do mistério em torno do real caráter de Nina (Débora Falabella) em “Avenida Brasil”, nos primeiros capítulos da novela de João Emanuel Carneiro já se pode ver que a personagem, então chamada de Rita (Mel Maia), odiava a mulher que ocupou o lugar de sua verdadeira mãe. E, não bastando ter perdido o pai biológico na infância, quando jovem viu o adotivo morrer a seu lado. Pronto, abriu-se aí muitos atalhos para o autor enveredar pelos mais instigantes caminhos da mente dessa personagem que disfarça o tom de ironia ao chamar Lucinda (Vera Holtz) de “mãe”, e carrega no deboche ao tratar Nilo (José de Abreu) como “paizinho”. Se for feita uma comparação, Nina certamente não é nenhuma Branca de Neve que ficaria feliz apenas por ter encontrado seu príncipe, no caso Jorginho (Cauã Reymond). Ela quer mesmo é ver a madrasta má Carminha (Adriana Esteves) se empanturrar de muitas maçãs envenenadas.

Carminha, por sua vez, é a madrasta má que não contém as lágrimas ao ouvir falar sobre sua mãe morta, como aconteceu durante uma das sessões de tortura psicológica que sofreu de Nina. Só que essa pequena demonstração de carência maternal se perde em meio a um conjunto de atitudes. Carminha não é maquiavélica apenas como madrasta, ela também é diabólica como mãe, humilhando e magoando constantemente a pequena Agatha (Ana Karolina). Imagino que personagem riquíssima de nuances psicológicas Agatha não se transformará quando ficar adulta e tiver consciência de tudo que se passou à sua volta vivendo na Mansão Tufão de loucos.
  
Em tom de comédia, mas nem por isso deixando o lado emocional também se manifestar, “Cheias de Charme” traz protagonistas órfãs com históricos de sobrevivência distintos. Cida (Isabelle Drummond) é a mais fiel versão moderna da Gata Borralheira. Foi criada pelos Sarmento como a empregada órfã dos antigos motorista e doméstica da casa. Humilhada por todos, por um acaso do destino torna-se cantora de sucesso. Só então seu verdadeiro pai biológico se revela, é o ex-patrão Ernani (Tato Gabus Mendes). Sem tempo para esperar sapatinho de cristal, Cida vira uma Cinderela às avessas. Ela não se preocupa em questionar o que seus verdadeiros pais passaram, parte logo para a vingança contra os Sarmentos pensando unicamente no que ela passou nas mãos deles.

Na mesma novela, escrita por Izabel de Oliveira e Filipe Miguez, as outras duas Empreguetes, Rosário (Leandra Leal) e Penha (Taís Araújo), têm uma realidade um pouco mais longe dos contos de fadas. Rosário foi retirada de um orfanato e adotada por Sidney (Daniel Dantas) quando tinha 10 anos. O sonho de ser uma cantora famosa foi alimentado pelo pai adotivo, um homossexual nostálgico que ouve discos vinil de Ângela Maria e outros artistas da época. Até o momento, não foi feita qualquer referência a seus pais biológicos. Nem ela parece preocupada com isso. Focada na realidade, seu estrelato no mundo das celebridades está em primeiro lugar, se sobrepondo até mesmo ao amor de Inácio (Ricardo Tozzi).

Já Penha pode ser considerada órfã de pais porque ninguém sabe se estão vivos. Ambos abandonaram a família muito cedo, nunca mais apareceram e ela se encarregou de criar e sustentar sozinha os dois irmãos mais novos, trabalhando como doméstica. Casou-se e separou-se de um malandro, Sandro (Marcos Palmeira), com quem tem um filho, Patrick (Nicolas Paixão). Percebe-se que por ter assumido o papel de pai e mãe dos irmãos, Penha sabe o valor que essas figuras representam e acaba relevando muitas falcatruas de Sandro para poupar o próprio filho que tanto se orgulha do pai. Está mais para a Dama e o Vagabundo.

O representante masculino entre protagonistas órfãos é Rodrigo (Gabriel Braga Nunes), de “Amor Eterno Amor”, de Elizabeth Jhin. Como o horário pede, a leveza e o tom lúdico dominam sua história. Rodrigo foi sequestrado quando criança de pais milionários no Rio de Janeiro e criado na pobreza por outros “pais” no interior de Minas Gerais. Localizado já adulto pela verdadeira mãe, Verbena (Ana Lucia Torres), que está à beira da morte, vai para o Rio de Janeiro, onde muda o rumo de sua história.

Sem ter conhecido o verdadeiro pai e tendo uma péssima recordação do padrasto carrasco, Rodrigo vive em função da imagem das duas mães: a que o criou, Angélica (Denise Weinberg), e a biológica, Verbena, que dedicou a vida a procurar pelo filho sequestrado. É em torno desse fio condutor que a novela, a duas semanas do seu fim, vem transcorrendo desde o início. Mesmo sem ter o objetivo de ser uma novela espírita, mas com enfoques que remetem a reencarnações e regressões a vidas passadas, e explorando tão bem cenários de séculos passados povoados de magia, pode-se dizer que Rodrigo é uma espécie de pretensa versão adulta de Harry Potter da vez nos folhetins.