Cláudia
Abreu não está surpreendendo em “Cheias de Charme”, está apenas confirmando o
que os conhecedores de sua trajetória já sabiam: é uma atriz que basta
entregar-lhe nas mãos os ingredientes e ela transforma qualquer receita de que
personagem for em um manjar dos deuses. Na novela das sete que estreou
segunda-feira (16), na Globo, a atriz simplesmente tomou para si o domínio da
história logo na sua primeira cena no papel da cantora brega Chayene. Ao lado
de Luiz Henrique Nogueira, seu assistente Laércio, e Bruno Mazzeo, o empresário
Tom Bastos, ela forma um trio que já deu sinais de que poderia protagonizar um
seriado independentemente de estar embutido em uma novela.
“Cheias
de Charme”, uma trama de Filipe Miguez e Izabel de Oliveira, com supervisão de
Ricardo Linhares, e direção de Allan Fiterman, Maria de Médicis e Natália
Grimberg, com direção geral de Carlos Araújo e direção de núcleo de Denise
Saraceni, gira em torno das aventuras e desventuras de três jovens ligadas por
fazerem trabalhos domésticos, levadas a essa função por diferentes
necessidades. Maria da Penha (Taís Araújo), que mora numa favela e precisa
sustentar marido, filho e irmão, Maria do Rosário (Leandra Leal), que trabalha
com o pai num bufê, mas sonha ser cantora famosa, e Maria Aparecida (Isabelle
Dummond), jovem que perdeu os pais cedo e é criada pelos ricos patrões, mas não
deixa de ser tratada como serviçal.
Logo no
primeiro capítulo, Penha, Rosário e Cida se veem envolvidas em confusões
particulares que as levam a uma delegacia de polícia. É la que as três se
conhecem e firmam o pacto de mudarem de vida: “Hoje empreguete, amanhã madame”.
Lembrou um pouco o começo de “Quatro por Quatro”, de Carlos Lombardi, na qual o
quarteto formado por Betty Lago, Elizabete Savalla, Cristiana Oliveira e
Letícia Spiller se uniram, também numa cela de uma delegacia, jurando vingança
contra seus ex. A história pode ser outra, mas a situação foi parecida. E,
embora agora fossem três mulheres, Cláudia Abreu se encarregou de se
transformar no quarto elemento.
Para
fazer frente a uma Chayene, só uma Leandra Leal. A atriz de apenas 29 anos, 20
dos quais atuando, dispensa qualquer comentário depois de ser premiada em
produções ao lado de grandes nomes não só da TV quanto do cinema e do teatro.
Leandra tem carisma próprio e consegue transmitir através do olhar, do sorriso
e até das lágrimas de Rosário uma mensagem de que é possível, sim, ter sonhos.
Se eles vão se realizar é outra história. E através dela será avaliado o amor
pela fama e o amor pelo amor, já que seu ídolo é Fabian, mas também surge em
seu caminho o motorista Inácio, ambos interpretado por Ricardo Tozzi.
Tozzi, o
ator, que fez graça como o Douglas de “Insensato Coração”, agora tem a
oportunidade de realmente mostrar seu valor em dois papéis controversos. Um
deles é o cantor popular, inspirado em Odair José, considerado o ídolo das
empregadas domésticas nos anos 70. Nas cenas dos shows, o ator é dublado por
Juliano Cortuah, que participou do reality “Fama” há dez anos. O segundo
personagem é o contido e misterioso Inácio, que se emprega como motorista do
bufê onde Rosário trabalhava e se apaixona pela moça após salvá-la de um incêndio.
Com certeza será um dos maiores desafios do ator.
Voltando
às protagonistas, Isabelle Drummond, com apenas 18 anos e já contabilizando
mais de dez de carreira, sendo seis só como a boneca Emília do remake do “Sítio
do Picapau Amarelo”, está perfeitamente encaixada no papel de Cida, a mocinha
ingênua, sonhadora, romântica e boazinha. Mas precisa ficar atenta a conselhos
que a própria Regina Duarte, a eterna Namoradinha do Brasil, já deu quando
avisou: “Não é fácil fazer a mocinha”. Se Isabelle não der a Cida um up que a
diferencie de tantas outras mocinhas românticas que já existiram, corre o risco
de acabar se tornando apenas mais uma "eterna Narizinho", como
aconteceu com Rosana Garcia.
Taís
Araújo também vai ter trabalho para sua Penha não ser engolida por Chayene e
Rosário, respectivamente a sua ex-patroa e a amiga e substituta na casa da
cantora de tecnobrega. Em alguns momentos, a atriz exagera nos trejeitos para
interpretar uma moradora da comunidade e faz até lembrar os olhares, trejeitos e
sacolejos de “Xica da Silva”, sua primeira protagonista na extinta Rede
Manchete. Sem falar que sua realidade, que é mostrada como a mais difícil das
três, parece ser uma festa constante, com linguiça assada sendo servida na laje
para os amigos a toda hora. E o que dizer de Marcos Palmeira fazendo o marido
malandro, endividado e inexpressivo Sandro? Torço para que o personagem dê uma
volta por cima, ou não se justificará o ator que já foi o galã da história
perder o cargo para outros sem um terço da sua capacidade. Tudo bem não ser o
galã. José Mayer fez isso recentemente em “Fina Estampa”. Mas o Pereirinha, com
seu visual e comportamento, teve a importância à altura de um galã. Seja lá
qual fosse a história escrita para ele.
Para um
horário que não tem tradição de tratar temas sérios, “Cheias de Charme” está
cumprindo sua missão de entreter, com algumas tramas que fingem ser dramáticas,
mas se mostram cômicas. Incomoda um pouco a repetição no elenco. Malu Galli,
que acabou de sair do ar como a Dora de “A Vida da Gente”, já está de volta
fazendo Lygia. A abertura feita em animação está divertida e bem feita, mas
vindo logo após “Amor Eterno Amor”, que já está no ar há mais tempo tendo uma
abertura no mesmo estilo, soa como uma saturação do recurso. De qualquer forma,
“Ex My Love” como trilha se encarrega de fazer a diferença.