domingo, 1 de abril de 2012

“Avenida Brasil”: Tomara que a realidade do lixão de Gramacho mostrada na ficção ajude a colocar em prática soluções prometidas para esse problema no Rio de Janeiro


Há novelas que no primeiro capítulo já dizem a que vieram, e merecem serem comentadas logo após a estreia. Aconteceu com “Amor Eterno Amor”, novela das seis de Elizabeth Jhin. E há aquelas em que é preciso um tempo de observação, não mergulhar fundo logo no começo, esperar as “cenas dos próximos capítulos”, repetindo o jargão usado até o fim dos anos 80, começo dos 90, no fim de cada capítulo para anunciar o desenrolar das tramas. Aconteceu com “Avenida Brasil”, novela das nove que estreou na segunda-feira (26), na Globo. Só que, a cada novo capítulo quem mais se sobressaiu e deixou no ar o desejo de ser vista não foi nenhum “monstro sagrado” da dramaturgia, como diria Fausto Silva, mas uma menina de 7 anos, Mel Maia, intérprete da pequena Rita, menina que perde o pai, vai parar no lixão e, na segunda fase da história, voltará para se vingar. Mel mostra que nasceu para brilhar não só pela expressividade no texto e gestual, como, acima de tudo, pelo olhar.

Mas o que mais comove realmente são as circunstâncias que envolvem Rita. E é a partir daí que se pode analisar o todo da trama. A menina é filha de Genésio (Tony Ramos), casado com a vilã Carminha (Adriana Esteves), que acaba sendo morto num acidente de carro por Tufão (Murilo Benício). Para ficar com a herança deixada por Genésio, o amante de Carminha, Max (Marcello Novaes), entrega a garota nas mãos de Nilo (José de Abreu), um explorador de crianças no lixão. Lá, Rita só consegue ter um tratamento melhor graças a Lucinda (Vera Holtz). Enquanto Carminha e Max tramam para ludibriar Tufão.

A abertura alegre e ao som da dança angolana do Kuduro parece ser um refresco para amenizar uma história densa e às vezes até pesada. Adriana Esteves mais uma vez vem surpreender. Depois do belíssimo trabalho como Dalva de Oliveira na minissérie “Dalva e Herivelto – Uma Canção de Amor”, a atriz volta a mostrar seu potencial num papel que se torna muito mais difícil pelo fato de ser uma vilã que finge ser boazinha. E ela tem convencido bem nas duas situações. O embate no primeiro capítulo com Tony Ramos, em que Genésio descobre a traição de Carminha, foi definitivo. Um desses raros momentos em que texto, atuação e direção formam uma tríade perfeita.

A direção de fotografia de Fred Rangel e Paulo Roberto De Souza merece destaque. A cena em que Rita é levada para o lixão, batendo no vidro do carro e implorando para não ir embora lembrou a cena do filme “Camille Claudel”, quando a musa inspiradora de Rodin foi levada para o hospício. Assim como a luz nas cenas feitas no lixão, que, para quem mora no Rio de Janeiro é reconhecido como o lixão de Gramacho, mas para quem não conhece deve achar que se trata de ficção. Sim, porque aquele lugar deveria existir apenas na ficção. Por isso achei desnecessária aquela “festa de casamento” entre Rita e Batata (Bernardo Simões), primeiro por estimular ainda mais um comportamento adulto nas crianças, não bastasse o quanto estão avançando fases, segundo por ter transformado o lixão numa espécie de Castelo Rá-Tim-Bum. Desde quando existe toda aquela iluminação no lixão? Não corresponde com a realidade. E é vergonhoso saber que um lugar como esse existe na vida real e nenhuma autoridade nunca acabou com aquela degradação humana.

Ano passado falou-se que o Jardim Gramacho, bairro de Caxias onde fica o aterro sanitário de mesmo nome, seria urbanizado pelo governo do estado, com obras que incluíam pavimentação de ruas, construção de moradias, praças, áreas para a prática de esportes e de lazer. Tomara que a realidade mostrada na ficção ajude a impulsionar essas promessas e faça com que elas saiam do papel. É revoltante e angustiante ver e saber que esse tipo de vida ainda é alimentado por seres que são tratados como qualquer coisa, menos como humanos. Não dá para apenas elogiar uma atriz mirim como se ela fosse dona da história, o autor de um texto primoroso e uma direção rebuscada, é preciso também investigar o que há por trás dessa mensagem que todos eles estão transmitindo.

Voltando à ficção, Murilo Benício não parece estar muito à vontade no papel de craque do futebol protagonista da história. Aliás, de craque ele não tem nada. Não só por o ator estar acima do peso, mas porque, mesmo sendo campeão, o subúrbio não saiu dele nem ele saiu do subúrbio. Ir para uma suíte presidencial de um hotel, deixar a noiva lá para ir levar uma viúva a uma churrascaria e cair no golpe de uma dose de uísque? Qual craque da vida real cairia nessa? Já Heloísa Périssé fez jus às “cenas dos próximos capítulos”. No começo até achei que Fabiula Nascimento faria uma dobradinha melhor com Murilo, influenciada pelo casal que eles faziam em “Força Tarefa”, mas após o acidente do ônibus em que Monalisa perdeu o filho, “adotou” o menino órfão e voltou para a Paraíba, Heloísa cresceu na história. Mas ainda precisa fazer um trabalho com fonoaudióloga para perder esse timbre da adolescente que ela faz há anos na peça “Cócegas”.

Agora, o pior de tudo é esse quadrilátero amoroso formado por Alexandre Borges, Débora Bloch, Camila Morgado e Carolina Ferraz. Parece até que eles estão protagonizando um episódio de “A Comédia da Vida Privada”. São atores excelentes, mas, por mais que tentem ser engraçados, estão totalmente deslocados na história. Marcus Caruso, Eliane Giardine e Otávio Augusto também estão se esforçando para fazer o núcleo cômico, mas a história central é tão pesada que eles vão precisar se esforçar muito mais para cumprir sua missão.

Tirando os contra, o que se sobrepõe são os prós na trama de João Emanuel Carneiro, que já assinou sucessos como “Da Cor do Pecado” e “A Favorita”, e com direção de Ricardo Waddington, que há tempos deixou de ser o pupilo de Paulo Ubiratan para criar sua própria assinatura em trabalhos memoráveis como “Laços de Família”, “Mulheres Apaixonadas” e, também com João Emanuel, “A Favorita”. Não é fácil logo na primeira semana já cativar um público antes que ele tivesse tempo de sentir a tal orfandade entre uma novela e outra. E isso eles conseguiram. Agora é aguardar a próxima fase da história.