A escolha
do título não poderia ter sido melhor: “A Vida da Gente”, novela de Lícia
Manzo, que estreou dia 26 de setembro, traz de volta ao horário das 18h uma
história romântica, nostálgica e também totalmente contemporânea ao mostrar um
drama ao alcance de todos que enfrentam uma situação tão em voga nos tempos
atuais, que é a “miscigenação familiar”. Afinal, a história gira em torno de todos
os obstáculos vividos por Ana (Fernanda Vasconcellos) e Rodrigo (Rafael
Cardoso) para realizarem seu amor após o divórcio de seus pais. Não, eles não
são irmãos biológicos. Tornaram-se irmãos postiços após o casamento da mãe de
Ana, Eva (Ana Beatriz Nogueira), com Jonas (Paulo Betty). Ou seja, algo
que acontece cada vez mais entre pessoas que, após a separação, iniciam uma
nova relação e levam os filhos a tiracolo.
Já na
primeira semana no ar, deu para perceber que, no melhor estilo Manoel Carlos,
Lícia também parece olhar na fechadura da porta de todos nós ao contar essa
história. Tem como não se identificar com algumas pérolas ditas pela vovó Iná
(Nicette Bruno), que há mais de uma década namora Laudelino (Stênio Garcia),
não quer saber de casar e, ao promover bailes na cidade, no caso Gramado (RS),
onde mora, mostra que pode haver vida divertida também na terceira idade?
“Casamento é tudo igual, dá cinco, seis anos, vira tudo parente” e “Se for do
seu destino ninguém te toma. O problema é que nem todos estão preparados para a
verdade”. A mais pura verdade, vó Iná!
A trama
também é pontuada de mulheres fortes. Elas dominam as ações tanto por suas
qualidades quanto defeitos, força ou fraqueza. Entre elas está Eva, mulher
egoísta, alpinista, mal realizada emocional e profissionalmente, que transfere
para a filha, Ana, campeã de tênis, seu desejo de fama, para jogar na cara da
vida que ela superou as frustrações a que foi imposta. Vitória (Gisele Fróes),
treinadora de Ana, é outra que busca no sucesso do trabalho uma fuga para a
derrota de sua vida pessoal. Ou ela seria tão ríspida e autoritária com todos à
sua volta se estivesse feliz com a opção “moderna” de sustentar a família e ser
a “provedora da casa”? Já Ana faz a linha “heroína confusa”. Tem personalidade,
mas seu emocional vive brigando com o racional. Entregar-se à paixão, ao amor,
ou valorizar o peso que o material tem na balança? Afinal, ela não nasceu rica,
cresceu sem pai e chegou ao tênis catando bolinha nas quadras enquanto a mãe
cuidava da lanchonete do clube. E tem ainda a doçura da Manuela (Marjorie
Estiano), que, apesar de ser a patinha feia da história, é a irmã companheira,
a neta carinhosa, a amiga parceira. Só espero que mais tarde não associem seu
defeito na perna, que a faz mancar, ao bom caráter. Personalidade é uma coisa,
deficiência física é outra.
A
abertura é simplesmente emocionante, com fotos e vídeos mostrando
cronologicamente a história dos protagonistas ao som de “Oração do Tempo”,
composição de Caetano Veloso interpretada por Maria Gadú para a novela, a
pedido da autora Lícia Manzo. Lembra um pouco a abertura de “Por Amor”, mas
isso não tira seu valor. Ao menos não repete tantas aberturas feitas só com
gráficos, animação e som instrumental.
As
locações trazem bem o olhar clínico do diretor Jayme Monjardim, que sabe não
apenas escolher paisagens como também colocar sua assinatura na hora de
mostrá-las. Em Buenos Aires, na Argentina, ele se concentrou em cartões
turísticos muito mais conhecidos popularmente, como Caminito, San Telmo e
Puerto Madero. As cenas gravadas em Ushuaia, na Patagônia argentina, tiveram
tratamento de cinema. Já na capital gaúcha, Porto Alegre, suas lentes estão
mostrando cenários pouco conhecidos do grande público, como as escadarias
históricas da Avenida Borges de Medeiros, o hotel onde viveu Mário Quintana,
que une duas ruas através de uma passarela e onde hoje há um centro cultural em
homenagem ao poeta, o cais à beira do Guaíba, o Parque Moinho de Ventos e o
tradicional navio Cisne Branco... Ou seja, ainda há muitos cenários a serem
explorados no nosso país.
Sobre
figurino. Bom, é sabido que o inverno é uma estação que privilegia tanto homens
e mulheres de bom gosto na hora de se vestir. Então, a escolha da locação
ajudou bastante. É visivelmente marcante o estilo elegante de cada personagem,
tanto nos tons de cores quanto nos modelos mais clássicos ou mais despojados.
Os cachecóis dão um charme sofisticado, mas em alguns momentos acho exagerado
todas as mulheres numa mesma cena estarem usando o acessório. Uma opção seriam
as golas rolê, que muito se usam ainda no Sul.
O que
mais me agradou foi ver de novo a preocupação com os famosos “ganchos” ao final
de cada bloco antes de entrar os comerciais e ao encerrar o capítulo. Por mais
que se conheça um pouco do rumo da trama, segundo a sinopse divulgada, fica
sempre aquela vontade de assistir aos próximos capítulos. Na minha opinião,
esse é um ingrediente indispensável na receita de uma boa novela. Quando ele
falta, não há mistério nem polêmica que salve o bolo de abatumar. Mas, por
enquanto, a autora parece estar acertando a mão na massa.