segunda-feira, 3 de outubro de 2011

"A Vida da Gente": Ambientada no Rio Grande do Sul, nova novela das seis da Rede Globo é como aquele livro que a gente começa a ler e não quer mais parar



A escolha do título não poderia ter sido melhor: “A Vida da Gente”, novela de Lícia Manzo, que estreou dia 26 de setembro, traz de volta ao horário das 18h uma história romântica, nostálgica e também totalmente contemporânea ao mostrar um drama ao alcance de todos que enfrentam uma situação tão em voga nos tempos atuais, que é a “miscigenação familiar”. Afinal, a história gira em torno de todos os obstáculos vividos por Ana (Fernanda Vasconcellos) e Rodrigo (Rafael Cardoso) para realizarem seu amor após o divórcio de seus pais. Não, eles não são irmãos biológicos. Tornaram-se irmãos postiços após o casamento da mãe de Ana, Eva (Ana Beatriz Nogueira), com Jonas (Paulo Betty).  Ou seja, algo que acontece cada vez mais entre pessoas que, após a separação, iniciam uma nova relação e levam os filhos a tiracolo.

Já na primeira semana no ar, deu para perceber que, no melhor estilo Manoel Carlos, Lícia também parece olhar na fechadura da porta de todos nós ao contar essa história. Tem como não se identificar com algumas pérolas ditas pela vovó Iná (Nicette Bruno), que há mais de uma década namora Laudelino (Stênio Garcia), não quer saber de casar e, ao promover bailes na cidade, no caso Gramado (RS), onde mora, mostra que pode haver vida divertida também na terceira idade? “Casamento é tudo igual, dá cinco, seis anos, vira tudo parente” e “Se for do seu destino ninguém te toma. O problema é que nem todos estão preparados para a verdade”. A mais pura verdade, vó Iná!

A trama também é pontuada de mulheres fortes. Elas dominam as ações tanto por suas qualidades quanto defeitos, força ou fraqueza. Entre elas está Eva, mulher egoísta, alpinista, mal realizada emocional e profissionalmente, que transfere para a filha, Ana, campeã de tênis, seu desejo de fama, para jogar na cara da vida que ela superou as frustrações a que foi imposta. Vitória (Gisele Fróes), treinadora de Ana, é outra que busca no sucesso do trabalho uma fuga para a derrota de sua vida pessoal. Ou ela seria tão ríspida e autoritária com todos à sua volta se estivesse feliz com a opção “moderna” de sustentar a família e ser a “provedora da casa”? Já Ana faz a linha “heroína confusa”. Tem personalidade, mas seu emocional vive brigando com o racional. Entregar-se à paixão, ao amor, ou valorizar o peso que o material tem na balança? Afinal, ela não nasceu rica, cresceu sem pai e chegou ao tênis catando bolinha nas quadras enquanto a mãe cuidava da lanchonete do clube. E tem ainda a doçura da Manuela (Marjorie Estiano), que, apesar de ser a patinha feia da história, é a irmã companheira, a neta carinhosa, a amiga parceira. Só espero que mais tarde não associem seu defeito na perna, que a faz mancar, ao bom caráter. Personalidade é uma coisa, deficiência física é outra.

A abertura é simplesmente emocionante, com fotos e vídeos mostrando cronologicamente a história dos protagonistas ao som de “Oração do Tempo”, composição de Caetano Veloso interpretada por Maria Gadú para a novela, a pedido da autora Lícia Manzo. Lembra um pouco a abertura de “Por Amor”, mas isso não tira seu valor. Ao menos não repete tantas aberturas feitas só com gráficos, animação e som instrumental.

As locações trazem bem o olhar clínico do diretor Jayme Monjardim, que sabe não apenas escolher paisagens como também colocar sua assinatura na hora de mostrá-las. Em Buenos Aires, na Argentina, ele se concentrou em cartões turísticos muito mais conhecidos popularmente, como Caminito, San Telmo e Puerto Madero. As cenas gravadas em Ushuaia, na Patagônia argentina, tiveram tratamento de cinema. Já na capital gaúcha, Porto Alegre, suas lentes estão mostrando cenários pouco conhecidos do grande público, como as escadarias históricas da Avenida Borges de Medeiros, o hotel onde viveu Mário Quintana, que une duas ruas através de uma passarela e onde hoje há um centro cultural em homenagem ao poeta, o cais à beira do Guaíba, o Parque Moinho de Ventos e o tradicional navio Cisne Branco... Ou seja, ainda há muitos cenários a serem explorados no nosso país.

Sobre figurino. Bom, é sabido que o inverno é uma estação que privilegia tanto homens e mulheres de bom gosto na hora de se vestir. Então, a escolha da locação ajudou bastante. É visivelmente marcante o estilo elegante de cada personagem, tanto nos tons de cores quanto nos modelos mais clássicos ou mais despojados. Os cachecóis dão um charme sofisticado, mas em alguns momentos acho exagerado todas as mulheres numa mesma cena estarem usando o acessório. Uma opção seriam as golas rolê, que muito se usam ainda no Sul.

O que mais me agradou foi ver de novo a preocupação com os famosos “ganchos” ao final de cada bloco antes de entrar os comerciais e ao encerrar o capítulo. Por mais que se conheça um pouco do rumo da trama, segundo a sinopse divulgada, fica sempre aquela vontade de assistir aos próximos capítulos. Na minha opinião, esse é um ingrediente indispensável na receita de uma boa novela. Quando ele falta, não há mistério nem polêmica que salve o bolo de abatumar. Mas, por enquanto, a autora parece estar acertando a mão na massa.