sexta-feira, 14 de outubro de 2011

“Morde e Assopra”: Com seu incontestável talento e dramaticidade, Cássia Kiss salva último capítulo de comédia romântica na qual faltou o principal ingrediente: o humor


Cássia Kiss não precisou morder nem assoprar para roubar todas as cenas da novela das 19h da Rede Globo, de Walcyr Carrasco, que chegou ao fim nessa sexta-feira (14), na Rede Globo. Despojada de qualquer tipo de vaidade, a atriz, que na vida real faz questão de deixar as marcas do tempo acentuarem em seu rosto sua força e personalidade, não titubeou em carregar na caracterização de Dulce, uma mulher simples e batalhadora, faxineira e vendedora de cocadas, que é ludibriada pelo próprio filho. Cássia usou ainda maquiagem envelhecedora e uma prótese nos dentes, para ficarem com aparência de estragados.  “Sou atriz, não sou artista e nem celebridade. Não me preocupo em aparecer bonita. Se eu tiver que estar bonita, vou estar, mas não é essa história que eu estou contando, estou contando a história de uma mulher sofrida”, afirmou ela.

Generosa, a atriz também valorizou o trabalho de Klebber Toledo, que interpretou Guilherme, seu filho na trama. O jovem que tentava disfarçar a vergonha que sentia da mãe pobre e a enganou dizendo que concluiu o curso de medicina no Rio, financiado por ela com dificuldade, poderia ter passado despercebido, não fosse estar ao lado de uma atriz talentosa e que o ajudou também a valorizar seu papel. Guilherme deve agradecer a Dulce. Klebber deve agradecer a Cássia.

Anteriormente à cena de sua morte, uma das sequências mais emocionantes de Dulce foi quando ela disse ao filho que sentia vergonha dele, após saber do golpe aplicado pelo jovem. Dentro de uma comédia romântica, Cássia remou contra a maré e deu o tom perfeito à mãe simples que passou a vida em sacrifícios pela educação do filho e, de repente, vê tudo desmoronar. E continuou a provocar uma emoção concisa e serena ao enfrentar o problema da doença e ao realizar o sonho de se casar com seu grande amor do passado e pai de seu filho, nos momentos finais de vida.

O elenco em geral cumpriu seu papel dentro da proposta que os personagens lhe permitiam. Entre os principais, Elizabeth Savalla já está acostumada às cenas pastelão de Walcyr. Felizmente dessa vez ele nos privou do ridículo das “tortas na cara”. Adriana Esteves se esforçou, mas não teve muita retaguarda. Conseguiu brilhar um pouco mais quando Júlia, sua personagem, contracenou com Dulce. Flávia Alessandra teve beleza plástica valorizada, tanto sendo a mulher real quanto a robô. E seu “grande mistério” foi totalmente sem sentido. Naomi traiu Ícaro (Mateus Solano) com o contador dele, que queria roubá-lo... E o resto da historia é um festival de desculpas dignas de novelas de Glória Magadan... Desnecessário dar um desfecho “Gaiola das Locas” para André Gonçalves, que estava tão bem até então. Bom, foi a chance de o autor aparecer... Então, tá!

E em meio a caças a dinossauros e criação de mulheres cibernéticas, que não empolgaram, pode-se dizer que não foi Walcyr Carrasco que deu redenção a Dulce com sua morte no último capítulo, mas foi Cássia que proporcionou a redenção a “Morde e Assopra”, do início ao fim.


BOM LEMBRAR: 

Independentemente de qualquer caracterização em “Morde e Assopra”, o talento de Cássia não é uma novidade. Para quem não viu seu desempenho como Lulu, mulher do negociante Zé das Medalhas (Armando Bógus) na novela “Roque Santeiro”, de 1985, ainda há chance de conferir na reprise do canal Viva. E quem não sabe que foi ela que, há 23 anos, no papel de Leila, foi quem matou Odete Roitman (Beatriz Segal) em “Vale Tudo”, recentemente reprisada no mesmo canal? O Viva também trará de volta mais um momento especial de Cássia, em “Barriga de Aluguel” (1990), que será reprisada a partir de dezembro, e traz a atriz, ao lado de Victor Fasano e Cláudia Abreu, vivendo o drama de uma mãe que decide alugar a barriga de uma mulher mais jovem, para realizar o sonho de ter seu filho. Em 1993, ela surpreendeu fazendo Ilka Tibiriçá, a cômica solteirona cheia de trejeitos e com visual anos 60 na novela “Fera Ferida”, e em 2001 teve seu momento vilã como a Adma de “Porto dos Milagres”, ambas de Aguinaldo Silva.  Em 2009, viveu a carola Mariana na segunda versão de “Paraíso”. E não há como esquecer sua Maria Marruá, a mãe de Juma, a mulher-onça vivida por Cristiana Oliveira em “Pantanal”, na extinta TV Manchete.