sábado, 29 de outubro de 2011

“O Astro”: Remake da novela escrita por Janete Clair mostra ousadia ao alterar vários desfechos e em criar cena inspirada no realismo fantástico de Dias Gomes


Rodrigo Lombardi sem dúvida foi um discípulo exemplar do seu guru, Francisco Cuoco, ao herdar o personagem-título de “O Astro”. Ele pegou o turbante de Herculano Quintanilha, entregue pelo veterano intérprete do “primeiro astro”, e seduziu o público com talento e carisma. Ganhou até um momento extra e inédito que gerou polêmica no capítulo de quinta-feira (27), quando se transformou em um pássaro branco e saiu voando para escapar da polícia. Houve quem o comparasse a João Gibão, vivido por Juca de Oliveira em “Saramandaia”, que possuía asas, reveladas no último capítulo quando ele saiu voando na novela de Dias Gomes, exibida em 1976. Época em que o realismo fantástico também gerava opiniões controversas no público.

Terá sido uma homenagem velada – e caprichada graças aos recursos modernos da computação gráfica - ao grande novelista e marido de Janete Clair? O capricho valeu a ousadia. Até porque, se Herculano passou a novela inteira fazendo truques ilusionistas e surreais, não seria novidade se superar no ápice da história. “A gente passou por tantas transformações de 78 para cá, a tecnologia é outra, os espectadores esperam um imediatismo maior”, explicou Lombardi na manhã dessa sexta-feira no “Mais Você” em entrevista a Ana Maria Braga. Sei não, alguns espectadores podem ainda estar à espera da mesmice...

O que vale é que Herculano mereceu um final mais romântico e feliz com Amanda - numa interpretação densa e contida da atriz Carolina Ferraz - do que aquele que o bruxo teve há 33 anos. No original, Herculano (Cuoco) fugiu para um país da América Latina, onde passou a emprestar sua vidência para ajudar o governo local. Amanda (Dina Sfat) vai atrás dele, mas ao perceber que o ilusionista continua obcecado pelo poder, ela pega um táxi e vai embora: “Vamos para o aeroporto”, foi sua última fala ao taxista.

Na versão atual, ele vai para Santa Fé, capital norte-americana do Novo México, é alvo de um golpe contra o governo, mas sobrevive. E larga o poder para viver em uma ilha com Amanda e o filho do casal, a quem ensina seus truques de magia. Não fosse um remake, ficaria a dica para a continuação da história do ilusionista através de seu filho. 

Fica a impressão de que os autores, Alcides Nogueira e Geraldo Carneiro, tenham realizado um desejo de Janete Clair, que não gostava de finais que não fossem felizes para o casal principal de suas tramas. Nas mais de 30 novelas que escreveu, as únicas vezes que isso aconteceu foi em “Pecado Capital” (1975), em que Carlão (Francisco Cuoco) morreu, e em “O Astro”. Em anos difíceis de censura, sabe-se lá a que pressão ela não cedeu para matar Carlão e “deportar” Herculano, já que eles eram verdadeiros anti-heróis?

O remake de “O Astro” chegou ao fim nessa sexta-feira (28) sem parar o Brasil, como aconteceu quando a versão original da novela de Janete Clair foi ao ar entre 1977 e 1978. Na época, a audiência superava a marca de 90%, pois todos queriam saber “Quem matou Salomão Hayalla?”, personagem então interpretado por Dionísio Azevedo. Hoje os tempos são outros e não há mais qualquer ineditismo em se usar o mistério “Quem matou quem” para prender o público. Tornou-se um recurso que esporadicamente vem sendo repetido por várias tramas. “O Astro” não foi a primeira a lançar mão dele. Em 1974, Bráulio Pedroso causou sensação com a novela policial “O Rebu”, em que o suspense envolvia não só quem matou, mas também quem morreu. Bem mais complexo.

Mas voltando ao remake exibido pela Globo, os autores Alcides Nogueira e Geraldo Carneiro fizeram várias adaptações na história original, sem desrespeitar o trabalho de Janete Clair. É totalmente compreensível que o assassino de Salomão Hayalla (agora vivido por Daniel Filho) dessa vez não fosse Felipe (Edwin Luisi/Henri Castelli), ex amante de Clô (Tereza Rachel/Regina Duarte), viúva da vítima. Para tentar criar um certo mistério foram gravados três finais para o assassinato. E a opção que foi ao ar foi aquela em que Clô  é a assassina. Ponto para Regina Duarte. 

Regina Duarte exagerou nas caretas de Clô? Mas se assim não o fizesse, se tivesse dado a ela uma interpretação naturalista e trivial, a personagem talvez não entrasse para sua galeria. E nem seria tão citada. Ela é a nova Clô. Mesmo que não fosse a assassina. Diferentemente de Thiago Fragoso, que cumpriu seu papel direitinho, mas não tirou o posto de Tony Ramos na memória de quem foi Márcio Hayalla.  
  
Homenagem merecida foi feita a Francisco Cuoco ao longo da novela, que apareceu como Ferragus, aquele que ensina tudo sobre a arte da magia ao novo Herculano. Tão elegante que não veio roubar a cena de seu sucessor no fim da história. E em um elenco estelar, merecem destaque as brilhantes atuações de Marco Ricca, Humberto Martins, Antônio Calloni, Rosamaria Murtinho e Selma Egrei.

Desnecessário foi Márcio Garcia fazendo uma participação no último capítulo como um novo diretor do Grupo Hayalla e insinuando um possível romance com a secretária Nina, personagem de Juliana Paes. Ambos sobraram na história. Herculano nunca teve um envolvimento amoroso com Nina e nem ela teve tamanha relevância na trama que merecesse um par romântico no fim. Soou mais como sendo um golpe de mídia, para render notinhas relembrando que na novela “Caminho das Índias” o personagem de Márcio perdeu o posto de protagonista para o de Rodrigo Lombardi na disputa pelo amor de Maya (Juliana Paes). 

Mais uma vez quem ganhou a parada foi Rodrigo, que, como o astro dono da história, não só ignorou Nina como ainda nem tomou conhecimento do tal novo diretor e teve torcida para realizar seu amor com Amanda do início ao fim da novela. Como diz o ditado: Yo no creo em brujos, pero que los hay, los hay!