sábado, 23 de novembro de 2013

“Água Viva”: Sucesso da reprise de novela exibida há mais de 30 anos mostra que falta hoje a qualidade que fica clara em um produto em que a tecnologia era precária, mas o tesão dos profissionais fazia milagres


Gilberto Braga tem motivos de sobra para espreguiçar-se em sua cadeira e saborear o gostinho de ver uma novela sua, exibida na TV aberta nos anos 80, alcançar uma audiência peculiar ao ser reprisada em um canal por assinatura mais de três décadas depois. É o que está acontecendo atualmente com “Água Viva”, desde setembro sendo reapresentada no Canal Viva, que vem promovendo comentários do público tal qual ou até mais do que muitas tramas inéditas atualmente no ar na Rede Globo.

“Eu estava assistindo e fiquei pensando na mudança de valores. A personagem daquela época se achava muito chique, daí aparecia dirigindo um Opala que, além de ter quatro portas, era bege. Bege!”, ouvi essa semana de um jovem, que disse ter visto essa cena graças a sua mulher, que não perde um capítulo da novela. “Não perco um capítulo. Estou viciada nessa novela”, afirmou outra telespectadora, que nem era nascida quando a novela foi ao ar pela primeira vez.

Como não ficar preso a uma abertura que tem imagens de um Rio de Janeiro muito menos massacrado como o atual e ao som de Baby Consuelo (que ainda não era do Brasil) cantando “Menino do Rio”? A direção precisa, exigente e percebida não apenas na condução das cenas como um todo, mas na interpretação individual de cada ator, feita por Roberto Talma e Paulo Ubiratan, também faz toda a diferença no resultado final de cada capítulo.

É uma novela que teve na autoria a dose requintada de Gilberto Braga unida à visão popular cotidiana de Manoel Carlos. Uma dupla imbatível que se repetisse novamente a parceria não deixaria espaço para mais ninguém. Sem falar no elenco que, só para citar os atores principais, trazia Raul Cortez, Tônia Carrero, Glória Pires, Reginaldo Faria, Betty Faria, Beatriz Segall, Lucélia Santos, José Lewgoy, Isabela Garcia, Kadu Moliterno e Natália do Vale, entre outros. Veteranos que sempre trouxeram na veia o DNA da televisão e novatos, naquela época, que já mostravam talento suficiente para estarem no rol das crias criadas pela teledramaturgia.

Na trama principal está Miguel Fragonard (Raul Cortez), casado com Lucy (Tetê Medina) e pai de Sandra (Gloria Pires), é um cirurgião plástico de sucesso que condena o estilo de vida do irmão, Nélson (Reginaldo Faria), que nunca trabalhou e vive de renda. Após perder a mulher na explosão de uma lancha, o médico se apaixona por Lígia (Betty Faria), sem saber de sua relação com Nélson. Paralelamente, tem o drama da órfã Maria Helena (Isabela Garcia), que tem de lidar com a possibilidade de deixar o orfanato onde passou grande parte da sua vida. Sua única amiga, a assistente social Suely (Ângela Leal), descobre que ela é filha de Nélson. Ao saber disso, Lígia decide adotar a menina.

E é a partir daí que rola tudo o que um noveleiro gosta de ver: folhetim puro. É claro que os novos autores podem trazer estilo próprio e renovador. Mas sempre respeitando a essência folhetinesca, porque os tempos podem mudar, mas os noveleiros de carteirinha querem ver, sim, novela. Não é série de ficção, não é filme de horror, não é programa de humor. É novela bem feita, com história que mantém coerência com a proposta inicial apresentada ao público, personagens bem delineados, caracterização autêntica e inovadora, cenários de bom gosto, direção que salta aos olhos na identificação da assinatura. Por que não basta ter tecnologia avançada se não tiver talento, criatividade, competência e cuidado ao tratar do produto. Qualidades que ficam claras em produtos antigos, em que a tecnologia era precária, mas o tesão dos profissionais fazia milagres.

Quem não fica o tempo todo esperando algo realmente revolucionário atualmente, como foi o primeiro topless em novela feita pela personagem de Maria Padilha nessa mesma “Água Viva”? E olha que na época nem existia a ditadura da “barriga tanquinho”. Eram atrizes autênticas. Mais conscientes e donas de suas próprias trajetórias, de seus próprios corpos, e menos presas à orientação de suas assessorias, sempre de olho muito mais no sistema mercadológico.


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http://tvindependentebyelenacorrea.blogspot.com.br/2011/12/top-model-uma-reprise-ensolarada-bem_21.html