Vera Holtz e José de Abreu poderiam ter caído
na tentação de deixar para atribuir à caracterização marcante de Lucinda e Lino
a parte mais difícil na composição dos moradores do lixão que interpretam em
“Avenida Brasil”, na Globo. Mas esse tipo de saída fácil não caberia em
profissionais com o quilate desses dois atores. Tanto Vera quanto Zé de Abreu
estão fazendo um mergulho tão profundo na dura realidade de seus personagens
que é impossível o público não ficar confuso com a mistura de sentimentos que
eles provocam.
Como não amar Mãe Lucinda no começo da
novela, vendo ela cuidar e defender as crianças do lixão? Como não odiar Lino,
carrasco, bêbado e cruel com os pequenos catadores de lixo? Mas, como não
sentir raiva de Mãe Lucinda vendo-a silenciar sobre o passado de Carminha
(Adriana Esteves), mesmo que isso custe o sofrimento de Rita/Nina (Débora
Falabella) e Batata/Jorginho (Cauã Reymond), mesmo dizendo amar os dois criados
por ela no lixão? E como não sentir uma pontinha de pena de Lino ao vê-lo em
uma cena ser agredido pelo próprio filho, Max (Marcelo Novaes) e, em outra, às
lágrimas, dizer que não quer mais ser considerado o depósito do lixo do mundo?
No ar também na reprise de “Que Rei Sou Eu?”,
de 1989, no canal Viva, em que interpreta Fanny, Vera já passou por várias
produções de sucesso na Globo, como “Vamp”, “Fera Ferida”, “O Fim do Mundo”,
“Por Amor”, “Mulheres Apaixonadas” e foi elogiada por suas atuações
em “Três Irmãs”, como a antagonista Violeta, e dois anos depois em “Passione”
como a honesta Candê. Já Zé de Abreu é craque em vilões, como o Eriberto de
“Porto dos Milagres” e o trambiquero Milton de “Passione”, mas também convenceu
como o sacerdote indiano Pandhit em “Caminho das Índias”.
Já em “Avenida Brasil”, as personagens dos
dois atores, tanto Lucinda quanto Lino, personifica o que há de pior em um ser
humano em vários aspectos. Basta lembrar que ambos sempre tiveram em
comum o fato de serem exploradores do trabalho escravo infantil. Ela
disfarçando a exploração com a peja de “Mãe”. Ele, escancarando a podridão e
nunca merecendo ser chamado de “Pai” nem pelo próprio filho. E ambos cumprindo
seus papeis com maestria, superando inclusive o fato de o lixão da ficção ser
total e absolutamente surreal. Nada tem do lixão da vida real. Mas esse ponto
já foi tratado aqui em outros posts.
O que vale destacar também é que João Emanuel
Carneiro, autor da novela, mais uma vez mostra ser um mestre em pincelar com o
bem e o mal a mesma tela, confundindo os telespectadores em seu jogo de cores.
Já Vera e Zé de Abreu vêm comprovando que foram os modelos vivos perfeitos
escolhidos para esse quadro.