quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

“O Tempo e o Vento”: Reprises de obras baseadas na literatura brasileira vêm suprir a falta de programas inéditos de qualidade

Voltar a ter a oportunidade de apreciar um trabalho da atriz Lilian Lemmertz, que morreu em 1986, é apenas um dos motivos para rever “O Tempo e o Vento”, que mais uma vez é reprisada, dessa vez no canal Viva, desde segunda-feira (2). Digo mais uma vez porque a minissérie exibida pela primeira vez em 1985 já foi reapresentada quatro vezes pela TV Globo em versões compactadas: em 1986; 1988; 1991, e em 1995 nas comemorações dos 30 anos da emissora. Lilian, que recebeu vários prêmios de melhor atriz, tanto no cinema como no teatro, morreu prematuramente aos 48 anos de um enfarte do miocárdio, um ano após a exibição da minissérie. Na TV, foi quem interpretou a primeira Helena de Manoel Carlos, em 1981, na novela “Baila Comigo”. Recentemente, no quadro Arquivo Confidencial em homenagem a Júlia Lemmertz no “Domingão do Faustão”, Maneco prometeu encerrar seu ciclo dando à filha da saudosa atriz a missão de interpretar sua última Helena. Em "O Tempo e o Vento", Lilian só aparece na quarta parte da minissérie, baseada na obra homônima de Érico Veríssimo, adaptada por Regina Braga e Doc Comparato, sob a direção de Paulo José. 

Em tempos em que programas inéditos de qualidade estão cada vez mais raros, acompanhar desde o começo essa obra, uma adaptação da literatura brasileira, é sempre recomendável. Lilian interpretou Bibiana Cambará na meia-idade, papel vivido na juventude por Louise Cardoso e na velhice por Lélia Abramo. Costurada pelas lembranças de Bibiana, é contada a história da formação do Rio Grande do Sul, de 1777 a 1895, período de transformações e revoluções sociais, políticas e culturais, essenciais para a formação do estado. Enquanto a roca, a máquina de fiar, gira, Bibiana relembra sua avó Ana Terra (Glória Pires), casada com o herói Capitão Rodrigo (Tarcísio Meira), e os dramas de seu filho, Bolívar (Daniel Dantas).

Há cerca de 27 anos atrás ainda surpreendia a mistura de expressões linguísticas e de culturas que fugiam ao tradicional e iam de encontro à errônea ideia de se “nivelar” a linguagem da TV apenas a sotaques cariocas e paulistanos. Claro que alguns deslizes foram cometidos por alguns atores, que exageraram no “Tchê” ao fim de cada frase e usavam “você” (pronome quase nunca usado no Sul ainda hoje, imagina naquela época) no lugar do “tu”. Também pode causar estranheza algumas expressões de origem espanhola que eram usadas pelos gaúchos nas regiões fronteiriças, como “peleando”, que significa lutando, combatendo. Mas nada que comprometa o entendimento do texto e das mensagens.

O ritmo da narrativa é bem mais lento e a qualidade das imagens pode ser questionada por aqueles da geração já nascida vendo HDTV. Mas o olhar criativo de um diretor não precisa de grandes tecnologias para abstrair belas cenas mesmo diante de poucos recursos. Foi o que provou Paulo José ao explorar o inverno nas sequências de batalhas, com muito gelo seco reproduzindo a aragem do inverno úmido e frio e tendo como fundo o som cortante do vento Minuano. Sem falar na trilha de Tom Jobim, cuja música de abertura é uma versão instrumental de “Passarim”. E na nostalgia em rever grandes atores que já nos deixaram, como Armando Bógus, Mário Lago, José Lewgoy, Renato Consorte, Gilberto Martinho, Osvaldo Louzada, Lélia Abramo...

Nessa quinta reprise é até redundante justificar qualquer recomendação. A obra de Érico Veríssimo, assim como a de outros tantos autores renomados da nossa literatura, merece ser lida, relida, vista, revista e, principalmente, transportada mais vezes para a teledramaturgia.