quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

“Dercy de Verdade”: Minissérie dá um tom de humanidade a uma mulher marcada pelo estigma do palavrão


Tal qual Dercy Gonçalves afirmava, Heloisa Pérrisé e Fafy Siqueira não viram a banda passar, elas acompanharam a banda e cumpriram brilhantemente o papel de passageiras no trem que está percorrendo a história daquela que foi uma das melhores e mais polêmicas comediante do cenário artístico nacional. Na minissérie “Dercy de Verdade”, que estreou nessa terça-feira (10) na Globo, as duas atrizes conseguiram dar um tom de humanidade a uma mulher marcada pelo estigma do palavrão.

A responsável por um texto que junta sinais de naturalismo com realismo e, por que não, romantismo é Maria Adelaide Amaral, autora que sabe como ninguém entrar na alma feminina. Foi dela também “Dalva & Herivelto”, que em 2010 levou para a TV a história dos dois apaixonados e conturbados músicos. Naquela minissérie, Fafy Siqueira já tinha feito uma rápida participação no papel de Dercy. 

Com direção de núcleo de Jorge Fernando, “Dercy de Verdade” tem apenas quatro capítulos e no elenco também estão Fernando Eiras e Cássio Gabus Mendes, excelentes na estreia, além de Tuca Andrada, Nizzo Neto e Ricardo Tozzi, entre outros. O roteiro é de um coloquialismo refinado e a edição faz um misto de nostalgia e tecnologia sutilmente equilibradas.

Foi bastante criativo o começo do primeiro episódio com imagens de Santa Maria Madalena, no interior do Rio de Janeiro, com narração na voz da própria Dercy, seguidas de cenas de bastidores do elenco chegando à terra natal da protagonista para as gravações. Logo em seguida, aparece Fafy no palco de um teatro, já no papel de Dercy, avisando que vai contar uma história: “Liga essa merda!”, grita ela, reclamando do microfone. Mas o que se vê a partir daí é uma história onde palavrões apenas fizeram parte de uma estratégia de merchandising.

Uma história marcada de dificuldades financeiras, conflitos familiares, desilusões amorosas e uma busca desencontrada. “Pessoas feridas no limite de serem marginalizadas se tornam personalidades”, disse em uma entrevista Maria Adelaide. E a estratégia usada por ela de se mostrar como a despudorada é reforçada à medida que o tempo passa e a idade já não lhe permite grandes papéis.

A comediante era tão visionária que, em 2007, perguntou a Fafy Siqueira se a atriz gostaria de interpretá-la no palco. Mas tinha que ser um texto de Maria Adelaide e a direção de Marília Pêra. A peça não aconteceu. Dercy morreu no ano seguinte, aos 101 anos segundo seu registro oficial e com 103 segundo o ano em que realmente nasceu. Seu nascimento foi em 1005, mas ela só foi registrada dois anos depois.

Talvez quatro capítulos seja muito pouco para contar tudo dessa mulher na minissérie da Globo, baseada na biografia “Dercy de Cabo a Rabo”, lançada em 1994 e de autoria de Maria Adelaide, escolhida por Dercy para escrevê-la. Foi quando a escritora tomou contato com um lado desconhecido de uma mulher que tinha divulgada apenas a imagem de desbocada, engraçada e irreverente. “Nós, do lado de cá não vivemos esse lado. E o lado de cada um, só a cada um pertence”, bem resumiu a escritora.