A
linguagem cinematográfica prometida pelo diretor de núcleo Ricardo Waddington
em “Brado Retumbante”, que estreou na Globo nessa terça-feira (17), pôde ser
sentida logo que a minissérie entrou no ar. A abertura mostrava apenas uma
rápida imagem computadorizada em que se descrevia que tudo começaria em
Brasília, no Congresso Nacional, e imediatamente entraram cenas no interior do
prédio da Câmara. Nos corredores movimentados de políticos, um deputado
caminhava apressadamente enquanto apareciam os créditos com os nomes dos atores
e autores e da direção, com música ao fundo, tal qual nos filmes de cinema. A
cena culminou no gabinete do Presidente da Câmara, onde o mesmo deputado foi
pedir o “primeiro emprego” para seu cunhado. Simultaneamente em que ele
consegue seu intento, na Tribuna, o deputado Paulo Ventura, interpretado por
Domingos Montagner, discursa contra a corrupção no governo. Sem saber que em breve
será o novo Presidente da República.
Escrita
por Euclides Marinho com a colaboração dos jornalistas Guilherme Fiúza e Nelson
Motta e da socióloga Denise Bandeira, e com direção-geral de Gustavo Fernandez,
“Brado Retumbante” retratará em oito capítulos os bastidores de um governo
corroído por falcatruas. Euclides tentou de alguma forma evitar que a história
fosse considerada um retrato da realidade atual, por isso na ficção o Palácio
do Governo foi trazido de volta para o Rio de Janeiro, que foi capital federal
até o início da década de 60. Ainda assim, é impossível não identificar algumas
semelhanças nas atitudes de certos políticos da vida real em muitos personagens
da trama.
Após um
acidente aéreo em que morrem o Presidente da República e seu Vice, Paulo
Ventura, um advogado desiludido com a política que acabará de ser surpreendido
com sua nomeação para presidente da Câmara dos Deputados, leva um baque maior
ao saber que é obrigado a assumir a presidência do país. Domingos, ainda pouco
conhecido do grande público, em um capítulo já mostrou ser um ator seguro em
qualquer situação de seu personagem, seja quando revela suas fragilidades como
ser humano, seja quando mostra o pulso forte na missão que tem pela frente. Na
televisão, sua primeira novela foi “Cordel Encantado”, ano passado, e fez
participações em “A Cura”, “Divã” e “Força Tarefa”.
Maria
Fernanda Cândido esbanja mais uma vez sua elegância no papel da primeira-dama
Antônia, que era ex de Paulo e reatou para ajudá-lo na nova missão. A atriz se
sobressai ao viver as contradições de uma mulher que sente ciúmes dos casos
extraconjugais do marido mulherengo, assume que já sonhou até em cortar o pênis
dele, sabe que o ama, mas não consegue mais ter relações porque perdeu a libido
após um problema no útero. Sendo uma professora, é difícil também para ela ser
obrigada a passar a viver cercada por seguranças. Após ter afirmado a uma
repórter que “Primeira-dama não é profissão”, perguntada se continuaria
lecionando, ela desabafa com sua terapeuta: “Não posso mais dar aulas. Não
posso nem apoiar uma greve”.
É sempre
curioso rever o produtor e diretor de shows Luís Carlos Miele atuando, como
está fazendo agora no papel do poderoso e corrupto Senador Nicodemo. Mas sem
dúvida o embate entre Paulo Ventura e seu maior inimigo, o Ministro da Justiça
Floriano, interpretado por José Wilker, foi o ponto alto do primeiro capítulo.
Foi mais um momento em que Euclides jogou no texto as palavras que refletem
muito do que realmente acontece. Na discussão entre os dois, em que Paulo
defende a moralização, Floriano afirma: “Esse é um país de analfabeto, só tem
opinião sobre futebol e escola de samba e não precisa de nenhum salvador da
Pátria”, diz o Ministro, ironizando. “Eu não sou salvador de porra nenhuma, mas
sei onde moram os parasitas deste país”, encerra o presidente, considerado por
seus adversários como um lunático, um Dom Quixote da internet, por dialogar com
seus eleitores através de seu blog.
O lado
mais leve fica por conta do humor do personagem de Otávio Augusto, o tio
trambiqueiro de Paulo Ventura que quer tirar vantagem da nova posição do
sobrinho, e da hilariante mãe do presidente, Julieta, vivida por Maria do Carmo
Soares. Do orelhão na rua, ela liga para o filho reclamando porque o celular
que ele lhe deu não funciona. "Você precisa ir na loja trocar",
ordena Julieta ao presidente. Faz até lembrar a Dona Hermínia, do espetáculo do
ator Paulo Gustavo “Minha Mãe É Uma Peça”. A jovem Juliana Schalch também
promete que vai causar muita confusão como Marta, a filha bipolar do
presidente. No elenco ainda estão, entre outros, Leopoldo Pacheco, Mariana
Lima, Hugo Carvana e Murilo Armacollo, ator estreante que interpretará
Julio/Julie, o filho transexual do presidente.
Vale
ressaltar os cenários desenvolvidos por Isabela Urman, com produção de arte de
Nininha Medicis, que dão a sensação de serem locações em prédios suntuosos do
Rio. Isso porque são cenários fechados, possuem teto, diferentemente dos
montados para outros trabalhos de dramaturgia. E a direção de fotografia, de
Fred Rangel, só valoriza os ambientes. Com certeza ainda há muitos embates
políticos e conflitos pessoais pela frente. Espera-se apenas que esse ritmo
ágil da narrativa mostrado na estreia seja mantido no decorrer dos próximos
sete capítulos.