quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

“Brado Retumbante”: Minissérie sobre presidente acidental tem referências que remetem a cenas da vida política real


A linguagem cinematográfica prometida pelo diretor de núcleo Ricardo Waddington em “Brado Retumbante”, que estreou na Globo nessa terça-feira (17), pôde ser sentida logo que a minissérie entrou no ar. A abertura mostrava apenas uma rápida imagem computadorizada em que se descrevia que tudo começaria em Brasília, no Congresso Nacional, e imediatamente entraram cenas no interior do prédio da Câmara. Nos corredores movimentados de políticos, um deputado caminhava apressadamente enquanto apareciam os créditos com os nomes dos atores e autores e da direção, com música ao fundo, tal qual nos filmes de cinema. A cena culminou no gabinete do Presidente da Câmara, onde o mesmo deputado foi pedir o “primeiro emprego” para seu cunhado. Simultaneamente em que ele consegue seu intento, na Tribuna, o deputado Paulo Ventura, interpretado por Domingos Montagner, discursa contra a corrupção no governo. Sem saber que em breve será o novo Presidente da República.

Escrita por Euclides Marinho com a colaboração dos jornalistas Guilherme Fiúza e Nelson Motta e da socióloga Denise Bandeira, e com direção-geral de Gustavo Fernandez, “Brado Retumbante” retratará em oito capítulos os bastidores de um governo corroído por falcatruas. Euclides tentou de alguma forma evitar que a história fosse considerada um retrato da realidade atual, por isso na ficção o Palácio do Governo foi trazido de volta para o Rio de Janeiro, que foi capital federal até o início da década de 60. Ainda assim, é impossível não identificar algumas semelhanças nas atitudes de certos políticos da vida real em muitos personagens da trama.

Após um acidente aéreo em que morrem o Presidente da República e seu Vice, Paulo Ventura, um advogado desiludido com a política que acabará de ser surpreendido com sua nomeação para presidente da Câmara dos Deputados, leva um baque maior ao saber que é obrigado a assumir a presidência do país. Domingos, ainda pouco conhecido do grande público, em um capítulo já mostrou ser um ator seguro em qualquer situação de seu personagem, seja quando revela suas fragilidades como ser humano, seja quando mostra o pulso forte na missão que tem pela frente. Na televisão, sua primeira novela foi “Cordel Encantado”, ano passado, e fez participações em “A Cura”, “Divã” e “Força Tarefa”.

Maria Fernanda Cândido esbanja mais uma vez sua elegância no papel da primeira-dama Antônia, que era ex de Paulo e reatou para ajudá-lo na nova missão. A atriz se sobressai ao viver as contradições de uma mulher que sente ciúmes dos casos extraconjugais do marido mulherengo, assume que já sonhou até em cortar o pênis dele, sabe que o ama, mas não consegue mais ter relações porque perdeu a libido após um problema no útero. Sendo uma professora, é difícil também para ela ser obrigada a passar a viver cercada por seguranças. Após ter afirmado a uma repórter que “Primeira-dama não é profissão”, perguntada se continuaria lecionando, ela desabafa com sua terapeuta: “Não posso mais dar aulas. Não posso nem apoiar uma greve”.

É sempre curioso rever o produtor e diretor de shows Luís Carlos Miele atuando, como está fazendo agora no papel do poderoso e corrupto Senador Nicodemo. Mas sem dúvida o embate entre Paulo Ventura e seu maior inimigo, o Ministro da Justiça Floriano, interpretado por José Wilker, foi o ponto alto do primeiro capítulo. Foi mais um momento em que Euclides jogou no texto as palavras que refletem muito do que realmente acontece. Na discussão entre os dois, em que Paulo defende a moralização, Floriano afirma: “Esse é um país de analfabeto, só tem opinião sobre futebol e escola de samba e não precisa de nenhum salvador da Pátria”, diz o Ministro, ironizando. “Eu não sou salvador de porra nenhuma, mas sei onde moram os parasitas deste país”, encerra o presidente, considerado por seus adversários como um lunático, um Dom Quixote da internet, por dialogar com seus eleitores através de seu blog.

O lado mais leve fica por conta do humor do personagem de Otávio Augusto, o tio trambiqueiro de Paulo Ventura que quer tirar vantagem da nova posição do sobrinho, e da hilariante mãe do presidente, Julieta, vivida por Maria do Carmo Soares. Do orelhão na rua, ela liga para o filho reclamando porque o celular que ele lhe deu não funciona. "Você precisa ir na loja trocar", ordena Julieta ao presidente. Faz até lembrar a Dona Hermínia, do espetáculo do ator Paulo Gustavo “Minha Mãe É Uma Peça”. A jovem Juliana Schalch também promete que vai causar muita confusão como Marta, a filha bipolar do presidente. No elenco ainda estão, entre outros, Leopoldo Pacheco, Mariana Lima, Hugo Carvana e Murilo Armacollo, ator estreante que interpretará Julio/Julie, o filho transexual do presidente.

Vale ressaltar os cenários desenvolvidos por Isabela Urman, com produção de arte de Nininha Medicis, que dão a sensação de serem locações em prédios suntuosos do Rio. Isso porque são cenários fechados, possuem teto, diferentemente dos montados para outros trabalhos de dramaturgia. E a direção de fotografia, de Fred Rangel, só valoriza os ambientes. Com certeza ainda há muitos embates políticos e conflitos pessoais pela frente. Espera-se apenas que esse ritmo ágil da narrativa mostrado na estreia seja mantido no decorrer dos próximos sete capítulos.