terça-feira, 25 de abril de 2017

“Os Dias Eram Assim”: Série se perde ao misturar título e imagens de cunho político e buscar a saída descompromissada de só estar contando mais uma ‘história de amor’


Desde “Anos Rebeldes” é quase impossível contar uma histórica romântica ambientada nos tempos da ditadura sem correr o risco de que a mesma seja submetida a comparações com a minissérie, escrita por Gilberto Braga, que marcou a teledramaturgia no início dos anos 90. Por isso a sensação inevitável de déjà vu causada por “Os Dias Eram Assim”, série que estreou segunda-feira (17) na Rede Globo, assinada por Ângela Chaves e Alessandra Poggi, que já foram colaboradoras de Gilberto Braga e estão estreando como autoras titulares. Apesar da quantidade de imagens de arquivo lembrando as turbulências dos anos 60 com o golpe militar, até chegar em 1970, quando se passa a trama, a preocupação maior no primeiro capítulo foi de criar um clima nostálgico com uma trilha sonora recheada de sucessos de ídolos como Elis Regina, Roberto Carlos e de Ney Matogrosso, na época vocalista do Secos & Molhados. A estreia ficou vazia de texto, com alguns diálogos pontuados por frases feitas e sem grande impacto. Tudo muito previsível. Em um período tão conturbado, apenas dois garotos jogando uma granada na porta de uma empresa soou um tanto pobre para desencadear toda a história.

De qualquer forma, a série começou a se tornar mais atraente a partir do segundo capítulo, principalmente pelo apelo forte causado pelo amor proibido entre Alice e Renato, o casal protagonista que está sendo interpretado de forma apaixonante por Sophie Charlotte e Renato Góes. A sintonia e a empatia dos dois atores brilham no vídeo e seguram a audiência.
Embora pareça uma novela já assistida, sempre tem chance de funcionar a ideia do romance improvável entre a filha de um poderoso empresário da construção civil, metido em negociatas com o governo, e um jovem médico residente, classe média, que defende os mesmos ideais libertários do irmão mais novo. Tirando as liberdades poéticas e guardando as devidas proporções, os dias atuais não estão muito longe da ficção. Talvez até facilite o laboratório de alguns atores como Antônio Calloni, que está fazendo uma participação especial como o inescrupuloso empreiteiro Arnaldo Sampaio, e Marco Ricca, muito à vontade no papel do delegado torturador Olavo.

No elenco feminino, como era de se esperar, Susana Vieira se impõe em cena como Cora Dumonte, a rica de fachada que investe no casamento de seu filho, Vitor (Daniel Oliveira), com Alice, para manter a vida de luxo. Assim como Cássia Kis Magro que, por mais personagens semelhantes que caiam em suas mãos, consegue sempre dar alma nova a cada um, como está fazendo com Vera, a dona de uma biblioteca, mãe de Renato. Mas o destaque maior é de Natália do Vale, que está retratando de forma impecável as mulheres submissas e infelizes daqueles e de outros tempos através de Quitéria, a esposa de Arnaldo e mãe de Alice.  

Vale ressaltar ainda a competente direção artística de Carlos Araújo, que também a assina a direção geral. Tirando um ou outro detalhe, como o andaime moderno demais usado na cena em que Alice fugiu de casa no dia do jogo em que o Brasil conquistou o tricampeonato na Copa do Mundo, cenários, figurinos e caracterizações estão retratando bem aquela época. A pergunta que fica no ar é: se o foco não é político, como as autoras afirmam, por que um título que reproduz a frase da música “Aos Nossos Filhos”, composta por Ivan Lins e Vitor Martins em 1984, que remete tanto aos tempos da ditadura?