A expulsão do médico Marcos Harter do “Big Brother
Brasil” nessa segunda-feira (10) pode não ter sido a solução que desejava a
direção do programa, mas certamente foi a única a ser tomada diante da
proporção que tomou o comportamento do participante, ameaçando inclusive a imagem
da Rede Globo. É preciso deixar claro que a medida extrema só foi tomada quando
a opinião pública, que felizmente não é formada apenas por fãs clubes que se
deixam iludir por edições manipuladas, resolveu se mobilizar e pedir um Basta
através das redes sociais e de denúncias feitas diretamente à Delegacia de
Mulheres do Rio de Janeiro. A mobilização de artistas também pode ter ajudado,
mas o mérito maior deve ser dado àquelas pessoas comuns que não se limitaram a
fazer hastag e realmente denunciaram às autoridades competentes a violência
doméstica que estava sendo transmitida ao vivo pelo Pay-Per-View do programa.
Ao tomar as medidas cabíveis, a polícia apenas executou aquilo que a Globo e os
fanáticos que votavam no casal deveriam ter feito antes.
O ensaio de uma violência dissimulada estava
sendo percebido há dias, desde quando Emilly mostrou hematomas nos braços
causados por beliscões de Marcos. E tomou proporções maiores na manhã de
segunda-feira, há exatamente uma semana, quando o médico, visivelmente
desequilibrado, foi para cima de Marinalva, sem o menor pudor de ser um homem
tentando intimidar uma mulher deficiente; foi agressivo com Ieda,
desrespeitando uma senhora de 70 anos, e quis tirar Ilmar do eixo, forçando uma
conversa improvável sobre questões que já tinham exaustivamente sido debatidas.
O médico inclusive cometeu a inconfidência de acusar no ar o advogado
indigenista de ter sido procurado pela polícia na casa por estar com a pensão
alimentícia do filho. O que foi desmentido na hora pelo apresentador Tiago
Leifert.
Mas Marcos e Emilly eram sinônimos de lucro, com
recordes de votação a cada paredão que um dos dois estava, e por isso o casal
era poupado. E a Globo simplesmente fechou os olhos para o comportamento
doentio do médico rico e bem sucedido de 39 anos com a jovem de 20, pobre e egocêntrica,
que oscilava entre contar histórias tristes de miséria e de arrependimento por
ter maltratado a mãe - que morreu um mês antes de ela entrar no programa - ou se
vangloriar de já ter levado uma vida de ostentação ao lado de ex-namorados.
O momento, no entanto, não é de querer identificar traços
do perfil psicológico de cada um dos dois. Essa é uma responsabilidade que cabe
a profissionais competentes nessa área e só diz respeito aos envolvidos e seus
familiares. A questão que precisa ser levantada e debatida é até que ponto as dezenas
ou centenas de pessoas envolvidas na realização do “Big Brother Brasil” estão
realmente preparadas para assumirem a responsabilidade que um reality show
nesse formato exige? Porque não é apenas o psicológico dos participantes confinados
na casa que pode ficar abalado, aqueles que trabalham nos bastidores acabam
também vivendo uma espécie de regime de semiconfinamento. E podem também
ultrapassar o limite que deve haver no relacionamento entre eles e os
verdadeiros protagonistas do show, que são aqueles que estão diante das
câmeras. É preciso que efetivamente exista um Grande Irmão que não permita que
a função “vigiar” seja confundida com “manipular”, “direcionar” ou “privilegiar”.
A mudança de apresentador também fez alguma
diferença, já que Tiago Leifert ainda não tem a manha que Pedro Bial atingiu de
brincar sem perder a rédea do jogo. Tiago precisa parar de comparar BBB com Zero1.
Ele não está lidando com games virtuais, mas sim com pessoas reais. Outro ponto
que surpreendeu nessa décima sétima temporada é que houve uma espécie de
afrouxamento em relação a muitas regras que eram severamente cumpridas nos anos
anteriores. Uma delas em relação à falta de maior rigor sobre não permitir a
interação entre participantes e integrantes da “produção”. O que para o público
evidenciava uma forma de favorecer alguns dos confinados com informações
passadas “através das paredes” ou “por trás dos espelhos”, para a direção era
apenas uma gracinha que ganhou até clipe na edição do programa ao vivo. No caso
de Marcos, é possível até supor que os Criadores contribuíram para que ele virasse
a Criatura que se tornou, já que houve um excesso de proteção e de privilégios
dados ao médico. O mesmo pode servir para Emilly, que “cresceu” no jogo de uma
forma questionável ao ser poupada nas edições noturnas que não mostravam muitas
de suas atitudes condenáveis, vistas apenas no Pay-Per-View ou no Globo Play.
Enfim, espera-se que para a próxima temporada, para a qual já estão abertas as inscrições, a direção da emissora esteja mais atenta à liberdade que delega à direção do programa e que esta também tenha um pulso mais firme ao cobrar mais seriedade e responsabilidade de todos os que estão sob seu comando. Aí por “produção” entenda-se produtores, editores, câmeras, assistentes, ninjas, dames, equipe técnica, enfim todos os que trabalham direta ou indiretamente na execução do programa. O produto é de entretenimento, mas nem por isso deve deixar de respeitar sua função social e muito menos deve esquecer que a saúde física e mental das pessoas não é brinquedo.
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