sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

“Canto da Sereia”: A entrega de Ísis Valverde aliada a uma sintonia tão sensível e comovente no conjunto da obra faz toda a diferença na qualidade final da microssérie


Ísis Valverde veio provar mais uma vez que não apenas tem coragem para encarar desafios como tem para vencê-los. Comparar sua Maria Sereia de Oliveira, personagem título de “O Canto da Sereia”, microssérie da Rede Globo que estreou na terça-feira (8), com qualquer outra personagem anterior da atriz é covardia. Ísis, a mineirinha de Aiuruoca que nunca renegou sua origem familiar e interiorana com sotaque vem se superando a cada trabalho. Foi assim em “Sinhá Moça” (2006), “Paraíso Tropical” (2007), “Beleza Pura” (2008), “Caminho das Índias” (2009), “Ti Ti Ti” (2010) e “Avenida Brasil” (2012). E alguém ainda vai dizer que uma personagem foi igual à outra?

Ísis simplesmente tem dominado a cena com uma desenvoltura que poucas atrizes com mais tempo de estrada demonstram. Ela é sensual com classe. Mostra um erotismo raro que não beira nem de longe o erótico vulgar. E é esse domínio sobre a personagem que valorizam ainda mais a história, o roteiro, o entorno. “O Canto da Sereia”, microssérie de quatro capítulos que estreou na terça-feira (8) na Rede Globo, é um exemplo de excelente produto. A direção de José Luiz Villamarim para a adaptação de uma história de Nelson Motta traz uma fotografia nervosa e confusa. Algo que remete a quem conhece a dramaturgia, ou está descobrindo a história.

O roteiro é simplesmente irretocável, com idas e vindas, num passeio pelo passado, presente e futuro que poucos escritores conseguem costurar com tanta maestria visual. É uma volta ao futuro que poucos fazem de volta ao passado. Trabalho de adaptação assinado por Sergio Goldenberg, Patrícia Andrade e George Moura

Sem falar que é de uma responsabilidade ímpar transpor para as telas uma história de um grande mestre dos bastidores de grandes estrelas. E apenas ele pode desvendar as entrelinhas do que se oculta no mundo mágico e folclórico dessa fauna de musicistas se achando soberanos e sabendo-se súditos de uma legião de fãs. O que dizer dessas musas do axé que afloram desde os tempos da guerreira Clara Nunes, que levam o chocalho na canela? É o poder do misticismo aliado ao poder político e, juntos, manipulados pelo poder do lobby. E dessa mistura o afã da ansiedade popular de ter um ídolo que represente sua vontade de ser “alguém” na multidão.

Nelson Motta soube descrever os bastidores de um mundo tão íntimo seu. Os roteiristas souberam adaptar transpondo para as telas uma verdade só conhecida na intimidade do show music, que não é tão diferente assim em qualquer universo, nacional ou internacional. O elenco, escolhido a dedo, soube incorporar. Destaque para Marcelo Médici, que finalmente ganha papel de destaque e tem a chance de mostrar na TV com louvor seu talento já conhecido nos palcos para se superar em um papel de primeira linha. E para Fábio Lago que, apesar de coadjuvante, dá a seu personagem um valor maior em cena graças a sua presença marcante. A equipe técnica, aliada ao trabalho de fotografia e direção, também se supera nos mínimos detalhes. Como nas cenas do trio elétrico do capítulo de estreia. Percebe-se ali o conjunto de um esforço para que tudo dê certo.

“O Canto da Sereia” é um desses trabalhos que não se sobressai por ser apenas o canto de uma protagonista. É o canto do conjunto de uma obra que nasce lá na sua concepção e ao ser parida mostra que houve um trabalho de gestação envolvendo toda uma equipe, um elenco, uma produção, um conjunto de pessoas unidas com afinco em um mesmo projeto. Raramente percebe-se uma sintonia tão sensível e comovente no conjunto de uma obra. Acredito estar aí toda a diferença desse produto.