segunda-feira, 19 de maio de 2014

“Meu Pedacinho De Chão”: Direção geral e de arte audaciosas, texto irretocável e interpretações comoventes fazem da novela das seis uma fábula que inova com competência no universo dos folhetins


Há um mês no ar, “Meu Pedacinho de Chão”, novela das seis da Rede Globo, pode ter causado estranheza em alguns telespectadores devido à sua linguagem inovadora no horário. A história, de autoria de Benedito Ruy Barbosa, é uma releitura vista sobre outros ângulos do ponto de vista do mesmo autor que escreveu a novela original de 1971. Naquela época, foi exibida em preto e branco simultaneamente na Globo e na TV Cultura e era classificada como o primeiro folhetim educativo da televisão brasileira. Agora, sob o olhar minucioso e detalhista do diretor Luiz Fernando Carvalho, a trama ganhou não apenas cores com também ares de fábula.

É uma novela em que a direção e produção de arte disputam lado a lado o posto de destaque com o talento do excelente elenco. E, com uma atmosfera tão rica e lúdica, com certeza a responsabilidade dos atores corresponderem é ainda maior. Ali não há protagonista. O desafio é o mesmo para todos, veteranos ou iniciantes. E todos estão mostrando estarem se revirando pelo avesso para fazerem de cada personagem uma peça fundamental ao bom funcionamento de toda a engrenagem.

Antonio Fagundes, com seus passinhos sacudidos e bigode fininho, de longe lembra o galã de outras gerações. Rodrigo Lombardi, com voz anazalada, cabelo e barba pouco atraentes, demonstra abrir mão com o maior prazer do posto de galã de geração mais recente. Juliana Paes está, sem dúvida, tendo uma chance inquestionável de mostrar que não é apenas uma atriz que exibe boa forma e apelo sensual, mas que também tem potencial para criar uma personagem cheia de trejeitos, cacoetes e carregada de emoção como é a sua Catarina.

Mas, sem dúvida, quem reina soberano nessa história em que há espaço para todos brilharem ainda é Osmar Prado, que, com sua interpretação irretocável, fez do coronel Epaminondas o dono da história. E o mais impressionante é que Osmar não está engolindo nenhum outro ator. Ao contracenar com ele, todos crescem. E é aí que vem a sua soberania. O ator está sendo o máximo onde só há ótimos.

É admirável ainda perceber a dramaturgia que corre nas veias dos jovens atores.  Nesse rol estão dois nomes que se destacam: Johnny Massaro, com carreira até então mais voltada para o teatro e Irandhir Santos, com vasta experiência em cinema. O talento e o carisma de Johnny, interpretando Ferdinando, filho de Epaminondas, ficam gritantes não apenas nas cenas em que as lágrimas brotam de seus olhos no sofrimento, quanto na emoção que exala nos momentos de contentamento do personagem.  E Irandhir, no papel de Zelão, peão nas terras do coronel, não precisa nem de falas para surpreender, ele parece dizer todo o texto através do olhar.

É uma novela em que não há espaço para qualquer tipo de ego pessoal. Sente-se o esforço e o prazer do trabalho em equipe de todos os envolvidos em todos os núcleos. Luiz Fernando Carvalho, que já assinou a direção de trabalhos memoráveis como “Hoje É Dia de Maria” e “Pedra do Reino”, é um nome que deve, ou deveria ser, marcado pelo público que clama por mudanças no universo das telenovelas. E Benedito Ruy Barbosa está irretocável no texto, que trata de curiosidades simples, como quando foi ensinada a receita de como se faz uma manteiga caseira (a cena me fez lembrar de minha avó, batendo a nata acumulada do leite para fazer a mesma, mil vezes mais saborosa do que a industrializada) e também elucidativo na questão da importância de todo trabalhador ter sua Carteira de Trabalho assinada pelo patrão. O autor está cumprindo o que prometeu no lançamento da novela: “Eu pensei em fazer um remake, mas quando estava começando a trabalhar, pensei assim: é uma oportunidade de dizer coisas que a Censura não deixava. E pude começar a falar de política, saúde, educação. Essa novela não tem nada da outra, só os nomes dos personagens e da localidade”, afirmou.