“O quanto a música é
capaz de transformar a vida de uma pessoa?” Foi com esse questionamento que o
produtor musical Marco Camargo deu início a “Coral de Rua”, especial de fim de
ano da Record que foi ao ar na noite de quinta-feira (22). Durante alguns dias
ele saiu às ruas de São Paulo em busca de pessoas socialmente excluídas para
convidá-las a participarem de um coral. Nessa peregrinação, ele se deparou com
algumas histórias deprimentes e outras comoventes.
Começou por uma
associação de reciclagem em São Bernardo, na grande São Paulo, mostrando a
história de vida de sua fundadora, Neise, 40 anos, grávida do sétimo filho. Ela
começou como catadora e fundou a associação para conseguir criar todos os
filhos. Mas, para ela, o que mais doía era não conseguir dizer que amava uma
das filhas, que sempre se despedia da mãe dizendo um “Eu te amo”. Entre outros,
também teve José Geraldo, 64 anos, que fazia uma fogueira na beira da estrada
para se aquecer e contou já ter um dia cantado em uma dupla sertaneja. Aceitou
na hora participar do coral.
Mas também teve Jadson,
30 anos, um baiano que disse já ter feito parte do Olodum, mas resolveu ir para
São Paulo tentar uma vida melhor e virou catador de lixo. Animado, até sambou
na frente de Camargo ao aceitar o convite. Mas, dois dias depois ele não
apareceu no lugar marcado e não apareceu mais. “E eu só espero que ele esteja
bem”, lamentou o produtor. Outro que aceitou e sumiu foi Edvaldo, 29 anos,
dependente químico e morando na rua há 23 anos, “para não causar problemas à
família”, disse ele. E o técnico de som que morava embaixo de um viaduto, que
afirmava perder a guerra, mas não a batalha, morreu na noite do dia em que
aceitou fazer parte do coral.
Todos os 26 escolhidos
passaram por um banho de loja e de salão de beleza antes de começarem os
ensaios. Após a transformação foi nítida também a recuperação da auto-estima.
“Quero saber qual minha patente. Barítono ou tenor?”, cobrou um deles a
resposta de Camargo. Para um deles, dependente químico, o programa também
conseguiu um tratamento de seis meses numa clínica.
A apresentação do Coral
de Rua foi no Teatro Bradesco, em São Paulo, com uma orquestra sob a regência
do maestro Vicente de Paula Salvia. A primeira música foi “O Natal Existe, de
Edson Borges, seguida de uma mensagem de otimismo declamada pela atriz Bianca
Rinaldi. Foi contagiante ver o brilho nos olhos e o sorriso emocionado de cada
morador de rua. Era como se estivessem realizando o maior sonho de suas vidas.
O repertório teve
“Conselho”, de Almir Guineto, “Amor I Love You”, de Marisa Monte e Carlinhos
Brown, “Como Vai Você”, de Antônio Marcos e Mário Marcos, e a versão brasileira
de “Noite Feliz”, de Peter Schuler. Para encerrar em alto astral, coral e
platéia cantaram juntos “Do Seu Lado”, de Nando Reis, com artistas da emissora,
como Denise Del Vecchio, Britto Jr., Gianne Albertoni, Chris Flores e Celso
Zucatelli, subindo ao palco para compartilharem o momento com os
"cantores".
Marco Camargo soube
conduzir muito bem o programa, sem exagerar na emoção e se mostrando um
incentivador daqueles menos afortunados. Mas é claro que ficará a pergunta: “E
agora, o que será daquelas pessoas?” E quem terá a resposta? Ao menos elas
tiveram um estímulo e caberá a cada uma saber como usar em sua vida. Afinal,
dignidade a maioria delas mostrou ter, como se percebeu quando um dos
entrevistados na seleção afirmou: “Eu sou morador de rua, mas não sou um
mendigo. Eu vivo das minhas pinturas em azulejo, dos meus artesanatos. Fico incomodado
com isso... (quando o chamam de mendigo)”.
Mas valeu, sim, ser
contagiado pelo brilho no olhar emocionado e no sorriso de felicidade que cada
um mostrou ao viver aquele momento.