sábado, 18 de junho de 2016

Análise: Não importa a época em que é ambientada, toda novela precisa de texto, produção e edição impecáveis e ritmo ágil


Já há algum tempo as novelas classificadas como de época vêm surpreendendo por uma qualidade não apenas em termos de produção artística como também por trazerem uma agilidade no texto e um ritmo acelerado nos acontecimentos que superam de longe certas histórias ambientadas nos dias atuais. Pode até parecer contraditório uma trama cuja locomoção das personagens são carroças que percorriam longas distâncias entre fazendas e vilarejos, ou bondes em cidades que ainda engatinhavam em busca do progresso, ser mais “movimentada” do que outra que tem a seu alcance meios de transportes modernos como carros, helicópteros, aviões.

Mas, é o que está acontecendo novamente. Basta pararmos para analisar duas novelas que estrearam recentemente e exatamente na mesma data, há 18 dias, e que são ambientadas em séculos totalmente diferentes: “Escrava Mãe”, da Rede Record, e “Haja Coração”, da Rede Globo. A diferença mais gritante entre ambas é o fato de a primeira ser um drama romântico que se passa no século XVIII, e a segunda uma comédia romântica do século XXI. E é justamente aí que está a razão da comparação. Afinal, tem-se na maioria das vezes a ideia de que um drama do passado pode parecer um tanto quanto enfadonho diante de uma comédia moderna. O romance entraria apenas como um aposto.

Só que para o telespectador o que conta não é o século ou o ano em que a história se passa, mas sim que ela seja contada seguindo o ritmo do tempo em que ele próprio está vivendo. Sendo assim, a dificuldade em escrever não é maior ou menor para os autores de um gênero ou outro. Todos devem ter o mesmo cuidado em não apenas criar diálogos bem construídos, mas também imprimir neles o máximo de informações que sirvam para desencadear novas ações. Talvez seja aí que aparentemente vemos acontecer um certo comodismo quando se trata de um enredo passado nos dias atuais, enquanto o folhetim que traz emblemas históricos corre na frente, pesquisando, ensaiando, na ânsia de fugir de se tornar arrastado ou didático ao extremo.

Em apenas 15 capítulos, exibida de segunda a sexta-feira, às 19h30, os acontecimentos de “Escrava Mãe” se sucederam numa velocidade digna de minissérie. E não é que os fatos tenham se atropelado, pelo contrário, estão seguindo uma trajetória lógica e sendo todos bem elucidados no momento em que ocorrem. Os autores nem se valeram da possibilidade de reutilizarem a batida fórmula do “Quem matou?”, por ocasião da morte do Coronel Genuíno (Antônio Petrin). Um capítulo após o da morte já foi revelado que a assassina é sua filha, Maria Izabel (Thaís Fersoza). E nem por isso acabou o suspense, porque os outros suspenses não estão, necessariamente, diretamente ligados a esse assassinato. Até porque em todos os núcleos há mistérios a serem revelados e as pistas mudam de um capítulo para o outro. Talvez esteja aí o maior feito dos realizadores: deixarem telespectadores dos novos tempos intrigados sobre o que acontecerá na cena seguinte de uma novela de época.

O mesmo não acontece em “Haja Coração” que, com dois capítulos à frente no ar, por ser exibida também aos sábados, parece estar um passo atrás em termos de criar expectativa para as próximas cenas. Não bastasse os acontecimentos serem sempre previsíveis, as situações se repetem e os diálogos nada acrescentam, pecando pelo excesso de descrição do cotidiano nas relações. Não justifica ser uma história baseada em outra que se passou há décadas o fato de se perder em um moderno pincelado de um conservadorismo e de uma visão bairrista contestados no mundo atual. Já está esgotada essa fórmula de usar aberrações comportamentais de homens que buscam a ascensão casando-se com mulheres feias, autoritárias e ricas, e de mulheres que mesmo tendo gênio forte e dizerem-se independentes só se realizarem se encontrar o príncipe dos sonhos. Até mesmo o que deveria ser o mistério central da história está perdido em meio a um festival de gracinhas sem graça e péssimos, cansativos e irritantes exemplos de erros de português divulgados através de Tancinha (Mariana Ximenes). O viés de “Sassaricando” poderia até ser reaproveitado, mas precisaria ser costurado de outra forma para não virar mais uma peça de figurino obsoleta, repetitiva e cheirando a naftalina.

Vale lembrar que novelas de época mais recentes da Rede Globo, como “Lado a Lado” (2012), “Joia Rara” (2013) e “Além do Tempo” (2015), também surpreenderam pela primazia da produção e direção, impulsionadas pelo texto impecável de seus autores. Ou seja, tanto em uma emissora quanto em outra, a qualidade das novelas de época, que exigem muito mais pesquisa, conhecimento e dedicação dos seus realizadores, está se sobrepondo à das produções modernas. Talvez esteja na hora de o moderno perceber que, de tão novo, esteja precisando também se autoanalisar. Não importa a época em que aconteça, uma novela precisa de um texto irretocável para uma história produzida com esmero e uma edição impecável.



Mais novelas de época em:
http://tvindependentebyelenacorrea.blogspot.com.br/2016/01/alem-do-tempo-mensagem-no-final-do.html