segunda-feira, 28 de setembro de 2015

“Verdades Secretas”: Quase duas décadas depois, o autor Walcyr Carrasco se utiliza mais uma vez do nome Angel, agora em uma personagem, em uma grande novela


Há tempos, quando terminava de assistir ao último capítulo de algumas novelas a primeira coisa que me vinha à mente era a frase de um diretor americano de cinema: “Não importa se a uma hora e meia inicial da história for ruim, se a meia hora restante for excelente vai ser considerado bom, ou até ótimo, porque será sobre as cenas finais que o público sairá do cinema comentando”. Em televisão essa teoria cairia por terra e a recíproca não seria verdadeira, nem mesmo tentando um “e vice-versa”, porque o telespectador não precisa trocar de sala se não for logo fisgado pela trama, basta mudar o canal e redirecionar sua audiência. Mas não foi essa frase que me veio à mente nessa sexta-feira (25), após assistir ao último capítulo de “Verdades Secretas”, novela das onze da Rede Globo. Porque, definitivamente, há tempos a telenovela, um dos principais, senão o principal produto da televisão brasileira, carece de histórias que realmente apresentem conteúdos que estejam à altura do grau de exigência do público. E aí não adianta vir com desculpa de horário ingrato, concorrência de TV por assinatura, internet e outras válvulas de escape. Quando o produto é bom, noveleiro compra e consome a qualquer hora, em qualquer lugar.

“Verdades Secretas” não foi um produto que se sobressaiu apenas por ser bom em tempos de carência de outros melhores na faixa nobre da emissora. Simplesmente se sobressaiu por, graças ao autor Walcyr Carrasco, a direção geral de Mauro Mendonça Filho, a um elenco que foi escolhido em algum momento em que o universo conspirou para que fosse o melhor, e à retaguarda de uma equipe que, na soma total, ofereceu aquilo que o público realmente quer ver: drama no limite suportável, sexo no limite aceitável, humor sarcasticamente inteligente, e uma ficção verdadeira, mas pontuada secretamente de uma realidade que mexeu com o imaginário.

Aliada à criação do autor está a direção primorosa de Mauro Mendonça Filho, além do trabalho irrepreensível de figurino, cenografia, iluminação, figurino, maquiagem e caracterização. É inegável a superação de Grazi Massafera que, após algumas tentativas infrutíferas de emplacar como atriz, conseguiu dar a volta por cima e vencer o desafio de interpretar Larissa, uma modelo que faz um voo sem escala da prostituição glamourosa ao mundo decadente das drogas. Mas deve-se destacar também o trabalho impecável realizado pela equipe de caracterização que, com certeza, teve boa parcela de “participação” no sucesso da personagem. Assim como Rainer Cadete, que passou por uma verdadeira transformação após ter feito um médico sério na novela “Amor À Vida”, em 2013, reapareceu irreconhecível e, explorando um lado mais leve por aparentemente dar a ideia de ser mais divertido, teve seu momento único como a “libélula” Visky.

Ainda sobre superações, Camila Queiroz fez sua estreia de atriz já como protagonista, desfilando pelo vídeo com uma segurança como se tivesse tantos anos de televisão quanto tem de passarela. A jovem simplesmente conseguiu seguir à risca a expertise do autor e ludibriar não só os demais personagens da história como também o próprio público até os momentos finais do último capítulo. Foi seu olhar demoníaco, toda pura vestida de noiva, que revelou a “dupla identidade” da Arletinha-Angel, que sempre esteve mais para anjo mau.

Mas, mesmo a novela tendo fechado com chave-de-ouro, ainda acho que o penúltimo capítulo que realmente foi de tirar o fôlego da primeira à última cena. Foi quando os anos de estrada, a experiência e o talento falaram mais alto. Como não se comover ao ver Eva Wilma no papel da alcoólatra dona Fábia agarrada a uma garrafa de whisky na janela de seu quarto numa clínica para idosos, tentando ainda se conformar com o fato de estar viva porque agora tinha a presença de seu “namorado escocês”? E Drica Moraes, no auge do ponto nevrálgico em torno do qual girou toda a história, com sua Carolina, que parece ter sido batizada com esse nome por causa da letra da música de Chico Buarque: “Carolina, nos seus olhos fundos, guarda tanta dor, a dor de todo esse mundo...”? A atriz deu todas as diretrizes da trama no primeiro capítulo interpretando a mulher que acabava de descobrir a traição de seu primeiro marido, e brilhou no último ao, após descobrir que estava sendo traída novamente, agora pelo novo marido, e, o mais cruel, com a própria filha, assinou o veredicto cometendo o suicídio e desmascarou de vez todos que estavam à sua volta.

Indubitavelmente foi a mente criadora de Walcyr Carrasco que deu o pontapé inicial para que essa fosse uma grande produção. Ele é craque nisso! Ele é o verdadeiro Angel. Não por acaso Walcyr entrou para o universo dos grandes novelistas de forma incógnita, pelas mãos do mestre Walter Avancini, usando o pseudônimo de Adamo Angel para assinar “Xica da Silva”, novela de grande sucesso da extinta Rede Manchete exibida entre 1996 e 1997. Na época, ele não podia usar seu nome verdadeiro porque ainda era contratado do SBT. Ninguém sabia quem era aquele Adamo Angel que tanto estava incomodando a Rede Globo. E agora, quase duas décadas depois, ele se utiliza mais uma vez do nome Angel, para mostrar como se faz novela. Agora na Rede Globo.



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