Já deixou de ser novidade que a cada nova temporada
“Malhação” vai se distanciando cada vez mais daquele título de soap opera ou
“novelinha” da Rede Globo que começou lá nos anos 90, quando tudo se passava em
uma academia onde as tramas principais envolviam questões romanticamente
triviais de adolescentes sarados e bem nascidos. Portanto não é de estranhar
que “Pro Dia Nascer Feliz”, subtítulo da fase atual que está no ar há um mês,
escrita por Emanuel Jacobina, um dos criadores da série, mantenha a linha
adotada nos últimos anos de trazer cada vez mais temas adultos para o centro
das discussões. E que estes não envolvam apenas o núcleo familiar como todo um
universo de mudanças e transformações sociais que influenciam na vida e no
comportamento de pessoas de todas as gerações nos tempos modernos.
Entre outras questões, está lá o dilema de pais ou mães
que enfrentam o dilema de criar os filhos sem a presença de seus parceiros.
Como acontece com Tânia, personagem de Deborah Secco, que, abandonada pelo
marido, precisa batalhar para sustentar um casal de filhos sozinha. E Ricardo,
o ex-atleta, viúvo e dono de uma academia vivido por Marcos Pasquim, que,
apesar de uma situação financeira confortável, não sabe lidar muito bem com a
forma de educar suas três filhas. É fácil prever que em breve os dois se
aproximarão e o tema da família não tradicional voltará a ser foco de
discussão.
Aliás, um dos estigmas que “Malhação” já deveria ter
perdido é o de ser “um celeiro de calouros”. Há muito tempo o elenco equilibra
nomes já consagrados com outros em início de carreira e alguns estreantes. Não
há motivo para se estranhar ver Deborah Secco e Marcos Pasquim fazendo o casal
de protagonistas na atual temporada. Assim como é irrelevante insistir o tempo
todo em dar a eles e outros atores a alcunha de “veteranos”. Sílvia Pfeifer,
Lilia Cabral, Maitê Proença e Letícia Spiller são apenas alguns nomes femininos
que também estrelaram temporadas anteriores. Enquanto a ala masculina já contou
com Marcello Novaes, Tartu Gabus, Paulo Betti e Giuseppe Oristânio, entre
outros. Ou seja, todo elenco de qualquer novela é composto por nomes muito conhecidos,
pouco conhecidos e lançamentos.
A novidade pretendida dessa vez realmente ficou por
conta de anunciar Aline Dias como a primeira protagonista negra de “Malhação”
desde sua criação, há 21 anos. A atriz interpreta Joana, uma moça humilde do
Nordeste, órfã de mãe e criada pela avó e o padrasto, que vai para o Rio de
Janeiro tentar descobrir quem é seu pai biológico. O rótulo, no entanto, já
ficou déjà-vu em novelas e nem ao
menos tem grande peso no contexto geral da trama. Pelo menos até agora, Joana
tem sido apenas uma menina ingênua e sem mostrar a força esperada de uma
heroína corajosa e batalhadora. Pelo contrário, ela é bem aceita por quase
todos, a exceção apenas de Bárbara, a filha mais velha de Ricardo, e que,
intencionalmente ou não, é a vilã loira da história interpretada por Barbara
França. E o preconceito maior da moça rica, como ficou claro na cena que foi ao
ar nessa segunda-feira (19), é pelo fato de a garota ser bonita, já ter chamado a atenção de seu namorado e ocupar a
função de faxineira da academia. Em nenhum momento houve uma discriminação
racial assumida até agora por nenhuma outra personagem em relação a Joana.
Como está a apenas um mês no ar, resta aguardar que nessa temporada os autores não se privem de ousar, como fizeram na anterior, “Seu Lugar No Mundo”, que abordou de forma simples e competente temas delicados enfrentados pelos jovens como o casal de personagens em que um era soropositivo e o outro não, gravidez resultante de estupro, tráfico de drogas, filhos de pais envolvidos em corrupção e até o caso da jovem que formava um triângulo amoroso com dois amigos, engravidou de um deles e a parceria dos três não foi abalada. E nunca foi feita qualquer referência ao fato de o pai da criança ser negro. Como se vê, há casos em que os rótulos só existem na cabeça de quem os cria.
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