quinta-feira, 21 de julho de 2016

“Gugu”: Entrevista como a da repórter que acusa Biel de assédio se perde por não fazer avaliação das atitudes dos envolvidos


Se o sensacionalismo que marca alguns programas na TV aberta começasse a receber um tratamento diferenciado, talvez essa sede por polêmica acabasse prestando um serviço social a seu público alvo. Mas infelizmente não é o que acontece. Como se viu no “Gugu”, programa apresentado por Gugu Liberato na Rede Record, nessa quarta-feira (20), quando exibiu uma reportagem feita pela repórter Tathiana Brasil com a estudante de Jornalismo Giulia Pereira, de 21 anos, que no começo de maio denunciou ter sido vítima de assédio enquanto entrevistava MC Biel. A questão começa pelo fato de que pessoas que se expõem diante de câmeras estão predispostas a serem alvo de qualquer tipo de julgamento. E aqui não me refiro à acepção jurídica, mas sim ao juízo de valor que qualquer um pode manifestar através de sua avaliação pessoal dos fatos. Então, por que não aproveitar situações como essas para expandir a discussão e realmente exercer uma função social?  

No caso dessa entrevista, o programa ao menos se preocupou em deixar claro que Giulia ainda não é jornalista, como foi tratada pela mídia em geral quando o caso aconteceu, mas sim uma estudante de Jornalismo que trabalhava como estagiária no Portal IG. Pode parecer apenas um detalhe, mas ninguém chama um estudante de Medicina de médico ou um estudante de Direito de advogado. Mas, fora isso, os esclarecimentos que realmente deveriam ser buscados em torno do ocorrido foram esquecidos. Aí não é tão somente o caso de mostrar também a versão do MC Biel que, procurado pelo programa não quis se manifestar. Mas a reportagem poderia ter sido valorizada se fosse feita uma análise imparcial tanto do comportamento do acusado de assédio quanto da acusadora. E já que apenas Giulia quis se expor, restou avaliar o comportamento dela.

Para começar, a repórter Thatiana Brasil tentou apresentar a estudante como experiente em entrevistar famosos, só que em sua “lista” além de dois ou três artistas, ela despistou citando “outros” em coletivas de imprensa. Aí vem a questão em si do “assédio”, cuja denúncia se baseia na frase: “Se eu te pego eu te quebro no meio”, dita pelo MC durante a entrevista. E a estagiária contou que na hora começou a cortar perguntas que havia preparado que, segundo ela, “poderiam dar margem a esse tipo de resposta”. Fiquei curiosa em saber que perguntas eram essas para avaliar o nível da pauta preparada por ela. Se poderiam dar margem a respostas de baixo calão, então a repórter deveria estar preparada para qualquer reação e para manter o controle sobre a situação. E, acima de tudo, para deixar bem claro o limite do respeito de ambas as partes.

Para completar, o vídeo não mostra uma repórter se comportando com profissionalismo. A estagiária ria de tudo o tempo todo, jogando-se para trás no sofá e fazendo charme com os cabelos. Passou longe da forma naturalmente “simpática e descontraída” necessária em reportagens cujo público alvo são os jovens. Aí ela tentou se defender na entrevista para o programa: “Como estagiária eu não posso levantar e ir embora”, argumentou. Será que ninguém ensinou a ela que nenhum repórter deve fazer isso durante uma entrevista, salvo se tiver uma razão muito justa? E se chegar ao ponto de fazer, tem que estar seguro de que de sua parte a entrevista teve a condução mais séria e profissional possível.

Em determinado momento, Giulia diz que se sentiu incomodada porque Biel perguntou se ela queria comprovar se ele era hetero (sexual). Só que em nenhum momento é destacado que foi a própria que perguntou para o entrevistado, aos risos e fora de contexto, se ele era bi (sexual). E, mesmo naquele clima que já estava para lá de estranho e inconveniente da parte dele, ela ainda perguntou: “Te incomoda se te pedem um selinho?”. Que tipo de resposta ela esperava estando diante de um cantor cujas letras das músicas tem um claro apelo sexual e evidenciam claramente seu perfil de nova celebridade acostumada a conquistas fáceis?

Aí pode-se fazer vários tipos de avaliações dos dois lados. Da parte dela, pode-se até pensar que talvez esteja acontecendo uma falha no ensino que esses jovens estão tendo nas faculdades de Jornalismo. Será que não estão preparando os estudantes para esse tipo de mídia em que se encontra todo tipo de celebridade? Assim como houve uma falta de sensibilidade dos editores do portal em que ela estagiava ao mandar uma jovem inexperiente e aparentemente deslumbrada com o meio artístico para esse tipo de entrevista. Por outro lado, é preciso lembrar também que a gravadora do cantor, que ofereceu entrevistas individuais para vários veículos com o intuito de divulgar o CD do artista, deveria ter um mínimo de preocupação com a orientação dada sobre o comportamento de seus jovens contratados, igualmente deslumbrados com a fama.

Por fim, se existem programas que exploram esse tipo de tentativa de polêmica em torno de assuntos tão desqualificados é porque há telespectador assistindo isso. Então, por que não aproveitar e tentar fazer desses personagens que pipocam diariamente em busca de holofotes um instrumento que sirva para se exercer um mínimo da função social que a televisão tem condições de prestar? Ao invés de mostrá-los apenas por mostrar, por que não usá-los como exemplo de tudo que não deve ser e que não faz falta na sociedade, e assim tentar qualificar um pouco mais a própria audiência?




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