Se o sensacionalismo que marca alguns programas na TV
aberta começasse a receber um tratamento diferenciado, talvez essa sede por
polêmica acabasse prestando um serviço social a seu público alvo. Mas
infelizmente não é o que acontece. Como se viu no “Gugu”, programa apresentado
por Gugu Liberato na Rede Record, nessa quarta-feira (20), quando exibiu uma reportagem
feita pela repórter Tathiana Brasil com a estudante de Jornalismo Giulia
Pereira, de 21 anos, que no começo de maio denunciou ter sido vítima de assédio
enquanto entrevistava MC Biel. A questão começa pelo fato de que pessoas que se
expõem diante de câmeras estão predispostas a serem alvo de qualquer tipo de
julgamento. E aqui não me refiro à acepção jurídica, mas sim ao juízo de valor que
qualquer um pode manifestar através de sua avaliação pessoal dos fatos. Então,
por que não aproveitar situações como essas para expandir a discussão e
realmente exercer uma função social?
No caso dessa entrevista, o programa ao menos se
preocupou em deixar claro que Giulia ainda não é jornalista, como foi tratada
pela mídia em geral quando o caso aconteceu, mas sim uma estudante de Jornalismo
que trabalhava como estagiária no Portal IG. Pode parecer apenas um detalhe,
mas ninguém chama um estudante de Medicina de médico ou um estudante de Direito
de advogado. Mas, fora isso, os esclarecimentos que realmente deveriam ser
buscados em torno do ocorrido foram esquecidos. Aí não é tão somente o caso de mostrar também a versão do MC Biel
que, procurado pelo programa não quis se manifestar. Mas a reportagem poderia
ter sido valorizada se fosse feita uma análise imparcial tanto do comportamento
do acusado de assédio quanto da acusadora. E já que apenas Giulia quis se
expor, restou avaliar o comportamento dela.
Para começar, a repórter Thatiana Brasil tentou
apresentar a estudante como experiente em entrevistar famosos, só que em sua “lista”
além de dois ou três artistas, ela despistou citando “outros” em coletivas de
imprensa. Aí vem a questão em si do “assédio”, cuja denúncia se baseia na
frase: “Se eu te pego eu te quebro no meio”, dita pelo MC durante a entrevista.
E a estagiária contou que na hora começou a cortar perguntas que havia
preparado que, segundo ela, “poderiam dar margem a esse tipo de resposta”. Fiquei
curiosa em saber que perguntas eram essas para avaliar o nível da pauta
preparada por ela. Se poderiam dar margem a respostas de baixo calão, então a
repórter deveria estar preparada para qualquer reação e para manter o controle
sobre a situação. E, acima de tudo, para deixar bem claro o limite do respeito
de ambas as partes.
Para completar, o vídeo não mostra uma repórter se comportando
com profissionalismo. A estagiária ria de tudo o tempo todo, jogando-se para
trás no sofá e fazendo charme com os cabelos. Passou longe da forma naturalmente
“simpática e descontraída” necessária em reportagens cujo público alvo são os
jovens. Aí ela tentou se defender na entrevista para o programa: “Como
estagiária eu não posso levantar e ir embora”, argumentou. Será que ninguém
ensinou a ela que nenhum repórter deve fazer isso durante uma entrevista, salvo
se tiver uma razão muito justa? E se chegar ao ponto de fazer, tem que estar
seguro de que de sua parte a entrevista teve a condução mais séria e
profissional possível.
Em determinado momento, Giulia diz que se sentiu
incomodada porque Biel perguntou se ela queria comprovar se ele era hetero (sexual).
Só que em nenhum momento é destacado que foi a própria que perguntou para o
entrevistado, aos risos e fora de contexto, se ele era bi (sexual). E, mesmo
naquele clima que já estava para lá de estranho e inconveniente da parte dele, ela
ainda perguntou: “Te incomoda se te pedem um selinho?”. Que tipo de resposta ela
esperava estando diante de um cantor cujas letras das músicas tem um claro
apelo sexual e evidenciam claramente seu perfil de nova celebridade acostumada
a conquistas fáceis?
Aí pode-se fazer vários tipos de avaliações dos dois
lados. Da parte dela, pode-se até pensar que talvez esteja acontecendo uma
falha no ensino que esses jovens estão tendo nas faculdades de Jornalismo. Será
que não estão preparando os estudantes para esse tipo de mídia em que se
encontra todo tipo de celebridade? Assim como houve uma falta de sensibilidade
dos editores do portal em que ela estagiava ao mandar uma jovem inexperiente e
aparentemente deslumbrada com o meio artístico para esse tipo de entrevista. Por
outro lado, é preciso lembrar também que a gravadora do cantor, que ofereceu
entrevistas individuais para vários veículos com o intuito de divulgar o CD do
artista, deveria ter um mínimo de preocupação com a orientação dada sobre o
comportamento de seus jovens contratados, igualmente deslumbrados com a fama.
Por fim, se existem programas que exploram esse tipo de tentativa de polêmica em torno de assuntos tão desqualificados é porque há telespectador assistindo isso. Então, por que não aproveitar e tentar fazer desses personagens que pipocam diariamente em busca de holofotes um instrumento que sirva para se exercer um mínimo da função social que a televisão tem condições de prestar? Ao invés de mostrá-los apenas por mostrar, por que não usá-los como exemplo de tudo que não deve ser e que não faz falta na sociedade, e assim tentar qualificar um pouco mais a própria audiência?
Mais "Programa do Gugu" em:
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