Em um desses casos raros que acontecem a cada década
na televisão brasileira, o roteiro é a grande estrela de “Filhos da Pátria”, seriado
na Rede Globo que brinca com a História do Brasil para falar sobre bizarrices comuns
aos brasileiros de qualquer época. Exibido semanalmente às terças-feiras, após
a estreia no dia 19 de setembro, a cada episódio fica ainda mais realçado o humor
inteligentemente irônico de Bruno Mazzeo, criador, roteirista e narrador do
programa. O marco no tempo é 8 de setembro de 1822, um dia após a Proclamação da
Independência do Brasil. Deixando de lado personagens históricos, os
protagonistas são pessoas comuns que não passariam de meros figurantes em um
documentário baseado em fatos reais. E é aí que a licença poética e a liberdade
de criação permitem uma identificação instantânea entre mazelas passadas e contemporâneas.
Não deixa de ser uma forma bem humorada de tentar buscar a origem do caos em
situações aparentemente triviais, como aquela do aumento do preço da cocada,
sinalizando a inflação subindo; propinas chamadas de “regalo”; o desabamento do
palanque da festa de coroação de Dom Pedro I após o superfaturamento do projeto
da obra; além de detalhes sutis como o uso do gentílico “carioca” quando o Rio
ainda era apenas uma província, e por aí vai.
É claro que o texto perderia sua excelência se não ganhasse do elenco uma interpretação à altura. Nesse ponto, Alexandre Nero é o grande condutor da trama com seu Geraldo Bulhosa, um réles e atrapalhado funcionário público que sucumbi às propinas oferecidas por Pacheco, o grande mentor dos esquemas de corrupção do governo interpretado com maestria por Matheus Nachtergaele. Ninguém melhor também do Fernanda Torres para ser Maria Teresa Bulhosa, a mulher de Geraldo que não se conforma com a pobreza e faz de tudo para galgar uma posição entre a nobreza. A atriz está à vontade no papel, embora repita expressões e trejeitos que remetem a Vani, sua personagem em “Os Normais”. Enquanto Johnny Massaro está surpreendendo como Geraldinho Bulhosa, um playboy de época tão atrapalhado e canastrão quanto o pai. Destaque ainda para Jéssica Ellen, intérprete da escrava que guarda dinheiro para comprar sua alforria e que ironicamente se chama Lucélia, nome da atriz, Lucélia Santos, que através da novela “A Escrava Isaura” imortalizou a heroína do romance de Bernardo Guimarães. Sem falar que o tema que abre e encerra os episódios é nada menos do que “Quando o Morcego Doar Sangue”, na voz de Bezerra da Silva. É entretenimento de qualidade e na medida certa.
Mais Bruno Mazzeo em:
https://tvindependentebyelenacorrea.blogspot.com.br/2016/01/escolinha-do-professor-raimundo-alguns.html