Como já era previsível pelas chamadas, “Justiça”, nova
série da Rede Globo que estreou nessa segunda-feira (22), veio cumprir uma
lacuna que havia na grade de programação de produtos que justificassem o padrão
de qualidade sempre tão alardeado pela emissora. Lacuna essa que não deveria
haver, já que a emissora tem competência para produzir programas com qualidade
em séries, literalmente.
O roteiro de “Justiça” emociona, faz refletir e até
irrita, pelos mais variados tipos de emoções que instiga em quem assiste. Não
chega a ser algo inusitado na televisão brasileira em termos de contexto
ficcional. Fatos da vida real trazidos para a ficção, mesclando temas jurídicos
e retratando como algumas leis podem ser aplicadas de forma justa ou injusta já
foi feito desde os tempos de “Caso Verdade”, nos anos 80; em “Delegacia de
Mulheres”, nos anos 90, e, em um dos produtos de maior qualidade na emissora
nesse sentido, pois trazia fatos reais para a teledramaturgia, que foi o “Linha
Direta- Justiça”, exibido entre 1999 e 2007.
O que “Justiça” realmente traz de diferencial em
relação a produções anteriores com focos semelhantes é o leque de novos
recursos tecnológicos que está a serviço de uma equipe de verdadeiros mestres
em levar uma linguagem de cinema para a televisão. A direção artística de José
Luiz Villamarim está impecável e o texto de Manuela Dias se
sobressai na interpretação de um elenco afiado que consegue fazer brotar emoção
em cada fala, por mais ácidas que possam ser algumas palavras usadas. Soam mais
fortes ainda por serem frases que, na verdade, fazem parte do nosso cotidiano,
se não ditas por nós mesmos são ouvidas por outrem nas ruas, e até dentro de
nossas casas.
“Se a lei não existe para fazer justiça, existe para
quê?”, pergunta Elisa, a protagonista do primeiro episódio brilhantemente
interpretada por Débora Bloch. Na história que marcou a estreia da série que
contará quatro histórias distintas em 20 episódios, Elisa é uma professora de
Direito que vê a filha, Isabela (Marina Ruy Barbosa) ser assassinada a tiros
pelo noivo, Vicente (Jesuíta Barbosa) ao ser flagrada transando com o
ex-namorado no banheiro de sua casa, e não supera essa perda. O assassino é
condenado a sete anos de prisão e Elisa se prepara durante todo esse tempo para
matá-lo no momento em que ele sair do presídio. Com certeza a cena em que a mãe
abraça o corpo da filha morta coberto de sangue foi uma das mais impactantes
vista nos últimos tempos em teledramaturgia. Marina Ruy Barbosa e Jesuíta
Barbosa mostraram sintonia e segurança, mas foi Débora Bloch quem realmente
brilhou em uma interpretação visceral em todos os momentos da personagem.
Interessante e bem planejada a ideia de interligar os
episódios através da participação dos protagonistas das outras três histórias fazendo
participação como coadjuvantes naquela que está sendo exibida. Como aconteceu
no primeiro episódio em que Adriana Esteves, Cauã Reymond e a dupla Luísa
Arraes e Jéssica Ellen apareceram como se estivessem apenas dando uma palhinha do
que aconteceria nas histórias pessoais de suas personagens.
E de empregada doméstica da casa de Elisa no primeiro
episódio, Adriana Esteves trouxe sua Fátima para roubar todas as cenas no
segundo episódio, na terça-feira (23), em que ela e o marido, Waldir (Ângelo Antônio) levam uma vida
humilde mas feliz em um sítio na periferia, até a chegada de seu novo vizinho,
o policial miliciano Douglas (Henrique Diaz) e sua namorada Kellen (Leandra
Leal), mais o cão Furacão. O animal feroz começa a atacar as galinhas do sítio e,
num momento de fúria, enquanto o marido está mal no hospital após ter sido
esfaqueado em uma briga de bar, Fátima mata o animal. Para se vingar, Douglas “planta”
drogas no jardim do casal e ela é presa. Sete anos depois, a empregada doméstica
é libertada e só encontra em sua casa os escombros dos atos que a milícia fez
na vida de sua família. Henrique Diaz, como sempre, se supera a cada personagem
truculento que coleciona, e Leandra Leal dispensa comentários ao se reinventar
e surpreender a cada trabalho. A atriz esbanjou sensualidade e reafirmou merecer
ser um dos maiores talentos de sua geração.
Os desfechos dos dois primeiros episódios foram impactantes e deixaram no ar a expectativa sobre o que virá nos próximos. Com certeza, mais cenas de ação e emoção que, espera-se, leve o público a refletir ainda mais sobre o conceito do que é justo ou injusto do ponto de vista de cada situação, onde ética e moral são colocadas à prova.
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